Domingo, 28 de Dezembro de 2008

66- Conclusões

(continuação de 65- Epilogo / Fim da comissão)

 

Este documento, um sonho que há muito tempo desejava realizar, narra as vivências de um Alferes Miliciano numa guerra estúpida e evitável.


Esta guerra de África, também chamada do Ultramar ou Colonial, afectou muitas famílias, pelas mortes e pelos traumatismos ocorridos na simples passagem pela frente de combate.


Como a Pátria parece esquecer-nos, e a discussão destes temas não representam mais-valias para o mundo consumista em que vivemos, valem-nos a internet, os blogues, as narrativas e alguns livros para que as memórias de uma geração não se percam para sempre.


Para os leitores que não conheciam a acção, tentei enquadra-los no tempo e nos lugares, reinventando um testemunho vivido entre 1971 e 1974, com personagens reais, que se movimentam, entre Portugal, Luanda, Alto Chicapa e a selva africana.


Os temas não são dominados pelo sexo, normalmente com a popular figura da lavadeira que facilmente misturava o trabalho com o prazer livre e alegre, nem pelo sangue, dos feitos heróicos ou traiçoeiros, mas sim pelas vivências de pessoas comuns, com diferentes tonalidades de pele mas com as mesmas necessidades.


Finalmente, sinto que fui apanhado por um conflito onde encontrei muitos irmãos, independentemente da cor da pele, com mais coisas a unir-nos do que a separar-nos.


Não obstante terem passado tantos anos, ainda recordo alguns dos aspectos negativos que me marcaram mais:
• A população branca de Luanda a olhar-nos com indiferença e até com hostilidade;
• As mortes e os acidentes;
• A juventude, prisioneira de um rudimentar quartel ou destacamento; e
• Os sacrifícios, por vezes desumanos, perdidos, para nada.


Também houve aspectos positivos, entre muitos:
• Saber que é verdade, o que dizem, “quem vai a África nunca mais a esquece”;
• Ter conhecido a simplicidade, a beleza e a pureza do povo quioco; e
• Saber, que a nossa tropa não foi só pela guerra.


Uma guerra raramente traz coisas boas … para mim, esta, foi, por acaso, uma escola de maturidade.
Os que lá estiveram comigo, também souberam, o que é a precariedade da vida e a amizade desinteressada.

É uma enorme alegria quando os caminhos das nossas vidas nos proporcionam os reencontros. 
 

(oportunamente, em novo blog - Estórias de vida, com o Sá Moço)

publicado por Alto Chicapa às 12:15

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Sábado, 6 de Dezembro de 2008

56- Mudança no comando da Zona Militar Leste

(continuação de 55- Torneio de futebol)

 

A vida no quartel mantinha-se religiosamente igual, mês após mês. A região também continuava sem vestígios de movimentos hostis, no entanto uma mudança no comando da Z.M.L. (Zona Militar Leste) iria alterar o equilíbrio conseguido pela equipa do general Bettencourt Rodrigues.


Esta mudança, originou também uma visita ao nosso aquartelamento por altas patentes militares onde se incluía o senhor General Hipólito. Os preparativos foram levados ao extremo e de tal forma que até os soldados passaram a usar lençóis na cama, mas era só um, para, naquele dia, fazerem a cama à espanhola, e para o senhor General ver.

 


(fotografia cedida por Álvaro Marques) 

 

No dia do evento, reuniram-se na “parada” os militares presentes e outras entidades das quais não me recordo de nada.
De acordo com as normas, e depois de prestadas as honras militares, a patente mais alta em visita ao aquartelamento tomou a palavra e massacrou os nossos pobres ouvidos com banalidades, durante o que me pareceu uma eternidade.


Depois das cerimónias e já no momento do convívio informal perguntei a alguns soldados quais tinham sido as impressões.
Disseram-me:
- Falou, falou …
- Muita conversa …
- Chicalhada …
- Não percebi nada …
- Pelo menos vamos ter rancho melhorado!


A mudança no comando da Z.M.L. dá-se numa altura em que as tropas portuguesas estavam muito confiantes e descontraídas. Mesmo assim, a nossa actividade operacional não tinha abrandado embora todos nós soubéssemos que os grupos do M.P.L.A. e da F.N.L.A. estavam para lá da fronteira. Mas, as consequências não se fizeram esperar e as acções do IN começaram a aparecer, junto à fronteira, de formas ocasionais e curtas, mas muito traiçoeiras, violentas e com um elevado potencial de fogo.
Por exemplo, no itinerário Luvuei-Lutembo, montaram uma emboscada, causando 5 mortos e 32 feridos, com alguns muito graves, e a U.N.I.T.A. prevendo que a sua situação iria mudar, também tentou, embora sem êxito, ser reconhecida oficialmente pela ONU, no decurso da 22ª sessão do Comité de Libertação, em Mogadíscio.


O novo comando planeou para Janeiro de 1974 a operação Castor, com ataques violentos contra as bases da U.N.I.T.A. e a aniquilação da sua direcção.


Savimbi, com a ajuda de uma notícia saída no Jornal Expresso, teve conhecimento das intenções, perspectivou os possíveis cenários de guerra, e anunciou por escrito, em Setembro de 1973, a um amigo madeireiro da localidade de Cangumbe, situada a poucos quilómetros do Luso, o que se estava a passar e que iria pôr-se a mexer e rever o seu manual da guerrilha.


Entre Dezembro de 1973 e Janeiro de 1974, a U.N.I.T.A., sem aviso prévio, primeiro, ataca violentamente as tropas portuguesas, provocando muitas baixas, e de seguida as populações que lhe eram mais hostis, como por exemplo, a destruição da localidade de Sarieza no Bié e o corte de 36 cabeças, de homens, mulheres e crianças, na população de uma localidade que já não consigo precisar mas que ficava a cerca de 60 quilómetros do nosso aquartelamento.


Também havia duas flagelações programadas para o Alto Chicapa, sob a responsabilidade de um pequeno grupo de sete jovens, dividido em dois, que foram naturalmente “abortadas” por falta do objectivo principal, os militares no destacamento em António Cavula.
De madrugada, quando os atacantes se aperceberam do novo enquadramento militar na aldeia, desorganizaram-se, e por ausência de comando ficaram perdidos e sem iniciativa.
Dez horas fizeram a diferença e mudaram toda a estratégia de um ataque traiçoeiro pela madrugada e de uma emboscada criminosa, para uma vitória silenciosa, nossa, sem armas e sem heróis.


Ao P. (professor) e ao primo (monitor / enfermeiro), amigos sem cor, onde estiverem, bem hajam.
 

( a seguir - Mergulhos no rio)

 

publicado por Alto Chicapa às 14:28

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