Quinta-feira, 23 de Outubro de 2008

44- Operação "Pato 7212", quarto e quinto dia

(continuação de 43- Operação "Pato 7212", segundo e terceiro dia)

 

O quarto e o quinto dias foram os melhores. Sossego absoluto.


Se não estivéssemos em guerra, diria que tinha sido um percurso turístico, tanta era a beleza da região. Andámos durante toda a manhã sob um sol escaldante e compensávamos o intenso calor com travessias refrescantes dos pequenos afluentes do rio Cuango. A vegetação, era, geralmente, muito densa e de difícil penetração o que nos permitia encontrar locais seguros e muito propícios para recuperar as forças e passar o resto do dia e a noite.

 


Foi nestes dois dias que os meus olhos viram as melhores imagens da selva africana, e que nenhuma máquina fotográfica daquela época poderia mostrar completamente.

 


Num local, onde o leito do rio e o caudal aumentavam substancialmente e o manso murmúrio da água corrente contrastava com umas impressionantes quedas de água, vi plantas até aqui nunca vistas, árvores de grande porte, frutos desconhecidos e muita vegetação a transformar o chão num imenso e garrido tapete verde.

 

 

Também vi, peixes bem junto à margem, sem medo algum dos humanos e imensos peixinhos pequeninos muito coloridos, que pensava só existirem em aquários.

 

Para além do rugido dos leões, fomos ainda contemplados com três elefantes num trajecto muito lento e elegante, de uma onça a fugir, de uma grande família de javalis, de bandos de macacos cão muito agressivos, grandes cágados, ratos voadores com uma membrana entre a pata dianteira e traseira que lhes dava a capacidade de planarem do topo das árvores até à base de outra, voltavam a trepar e a planar, uma grande cobra e inúmeras cabras do mato, uma espécie animal muito abundante na região, que era mais uma espécie de gazela cuja estatura seria um pouco maior do que a das cabras na metrópole.


Era uma região idílica, onde reinava uma paz de espírito repousante e que convidava ao sonho.

 


O levantamento do acampamento era feito muitas vezes ainda sem sol, desmontávamos os panos das tendas, arrumávamos os sacos mochilas e disfarçávamos os vestígios da nossa presença. As latas vazias e o lixo era colocado num buraco, coberto com terra e folhas.

 

Era uma atitude que só nos convencia a nós, era do tipo gato escondido com rabo de fora, porque nunca era possível repor imediatamente o aspecto natural do local ou eliminar totalmente os vestígios deixados e as clareiras abertas pelo nosso calcar na vegetação.
 

(a seguir - Operação "Pato 7212", sexto dia)

 

publicado por Alto Chicapa às 11:41

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Terça-feira, 21 de Outubro de 2008

43- Operação “Pato 7212”, segundo e terceiro dia

(continuação de 42- Operação “Pato 7212”, primeiro dia)

 

No segundo dia, antes das horas de maior calor, andámos apenas meia dúzia de quilómetros.

 

 

Seguimos um pouco para sul, sem deixar qualquer indicação que o nosso verdadeiro trajecto era para oeste.

 

Ficámos perto de uma linha de água onde se tomou um banho refrescante.

 

A noite, passamo-la sem sobressaltos de maior, mas na companhia de um ou mais leões e dos seus longos rugidos. O chão até tremia.


O terceiro dia, foi bem diferente. Saímos folgados, mal começou a clarear. Progredimos, o máximo que nos foi possível, uns bons quilómetros em direcção à margem esquerda do rio Cuango.

 

Lembro-me que contrariei o plano da operação, optando pela margem esquerda, hoje não sei os verdadeiros motivos, mas naquela época, penso ter entendido que era a melhor estratégia.


Durante o percurso, tivemos o cuidado de vermos atentamente por onde íamos e de procurar vestígios. O que encontrávamos era antigo e irrelevante. As lavras estavam abandonadas, os trilhos não eram usados e a ausência de população era uma realidade.

 

Mesmo assim, estávamos perto, de uma, das conhecidas e consentidas zonas de acantonamento da UNITA, entre o Munhango e o Cassai.


Felizmente, apenas constatámos e colhemos os louros do trabalho desenvolvido, em meados de 1972, pela operação Rojão IH e pela intervenção do Agrupamento de Comandos, Raio (companhias 31, 33 e 37).
 

(a seguir - Operação “Pato 7212”, quarto e quinto dia)

 

publicado por Alto Chicapa às 14:33

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Quinta-feira, 16 de Outubro de 2008

41- Os preparativos da operação “Pato 7212”

(continuação de 40- Calejamento dos grupos de combate)


Calharam-me seis dias na mata com o meu grupo de combate na operação “Pato 7212”.

  • Ordem: Patrulhamento ofensivo, para identificação, detecção e divulgação de grupos IN, preparar e colaborar na sua perseguição, captura ou aniquilamento, recuperar população e destruição de meios de vida do IN.
  • Largada: Picada Alto Chicapa / Luma-Cassai junto ao rio Cassai.
  • Recolha: Picada Alto Chicapa / Cuango junto ao rio Cuango.
  • Região: Margem esquerda do rio Cassai até à sua nascente e margem direita do rio Cuango desde a sua nascente até ao cruzamento com a picada (ponto de recolha).
  • Duração: De 04 de Dezembro de 1972 às 05,00horas, até às 16,30 horas do dia 09.
  • Meios: Um grupo de combate com 17 homens, um cão, espingardas G3 e 100 munições / homem, algumas granadas de mão defensivas e 03 nativos / carregadores vindos da aldeia de Samuge.
  • Distância: 46 quilómetros (ponto de largada / ponto de recolha).

Na véspera de todas as operações, era meu hábito, reler os aerogramas particulares que me chegavam de Luanda com alguns destaques sobre a actividade do IN, ler a documentação oficial que recomendava a saída para a mata, e estudar, anotar e segmentar o percurso numa carta topográfica da região.


Ao jantar, alguns soldados questionaram-me sobre a saída de seis dias, em vez de cinco, e a razão de irmos para o rio Cassai com poucos homens, para uma zona tão perigosa.


Um condutor também me abordou sobre a saída.

– Então alferes, amanhã lá vão dar um passeio até ao Cassai!


Pensei: - Se toda esta gente na Companhia, sabe com antecedência aquilo que vamos fazer, também os carregadores e os turras o devem saber. Arriscamo-nos a ter alguma surpresa desagradável.


Falei com capitão sobre esta falta de confidencialidade, e a atenção que a zona merecia. 

 

Mesmo assim, com o ar mais inocente do mundo, garantiu-me:
- Ninguém sabe da operação.
- Só eu é que sei a zona para onde vão e como a área da nossa Companhia é um território quase tão grande como o Alentejo, o risco é mínimo.
- O que dizem, é coisa que não me tira o sono.
- Até pensei que me ia dizer alguma coisa importante ou mais séria!
- Ainda lhe digo mais, mesmo o saber-se que vai haver, uma operação, não é um factor de insegurança é uma vantagem a nosso favor.
- O inimigo pensa sempre duas vezes antes de se aventurar no nosso território ...


Achei que não valia a pena continuar a participar naquele monólogo, estava a … sentir-me muuuito buuurro!


Mesmo assim, já feito burro, ainda argumentei:
- O pior, é se eles pensam quatro vezes e ficam à nossa espera prontos para as boas-vindas?


Encolhi os ombros e aceitei aqueles argumentos, afinal era uma teoria como qualquer outra.


Durante a noite trovejou e relampejou violentamente.

 

Porém ao início da operação sentia-se que o calor aumentava gradualmente de intensidade e as chuvas caíam algures mais para norte do local onde tínhamos sido largados.

O cheiro a terra molhada, era muito agradável e representava o rejuvenescimento da vida das plantas, dos animais e a força da natureza.


Dizia-me um soldado:

- Alferes Santos, a mata é muito agradável mas também transmite medo. Não se houve nada à nossa passagem, nem um ronco de um animal, nem um piar de um pássaro.
 

Tal como previra, a zona por onde andei, durante seis dias no meio de uma mata densa e em alguns locais de difícil penetração, numa área junto aos rios Cassai e Cuango, era uma zona, vizinha do acantonamento da UNITA (estávamos em pacto de não agressão) e da passagem do MPLA e FNLA para o norte de Angola (a maioria tinha regressado às bases na Zâmbia e no Zaire).
 

(a seguir - Operação "Pato 7212", primeiro dia)

publicado por Alto Chicapa às 15:32

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