(continuação de 43- Operação "Pato 7212", segundo e terceiro dia)
O quarto e o quinto dias foram os melhores. Sossego absoluto.
Se não estivéssemos em guerra, diria que tinha sido um percurso turístico, tanta era a beleza da região. Andámos durante toda a manhã sob um sol escaldante e compensávamos o intenso calor com travessias refrescantes dos pequenos afluentes do rio Cuango. A vegetação, era, geralmente, muito densa e de difícil penetração o que nos permitia encontrar locais seguros e muito propícios para recuperar as forças e passar o resto do dia e a noite.
Foi nestes dois dias que os meus olhos viram as melhores imagens da selva africana, e que nenhuma máquina fotográfica daquela época poderia mostrar completamente.
Num local, onde o leito do rio e o caudal aumentavam substancialmente e o manso murmúrio da água corrente contrastava com umas impressionantes quedas de água, vi plantas até aqui nunca vistas, árvores de grande porte, frutos desconhecidos e muita vegetação a transformar o chão num imenso e garrido tapete verde.
Também vi, peixes bem junto à margem, sem medo algum dos humanos e imensos peixinhos pequeninos muito coloridos, que pensava só existirem em aquários.
Para além do rugido dos leões, fomos ainda contemplados com três elefantes num trajecto muito lento e elegante, de uma onça a fugir, de uma grande família de javalis, de bandos de macacos cão muito agressivos, grandes cágados, ratos voadores com uma membrana entre a pata dianteira e traseira que lhes dava a capacidade de planarem do topo das árvores até à base de outra, voltavam a trepar e a planar, uma grande cobra e inúmeras cabras do mato, uma espécie animal muito abundante na região, que era mais uma espécie de gazela cuja estatura seria um pouco maior do que a das cabras na metrópole.
Era uma região idílica, onde reinava uma paz de espírito repousante e que convidava ao sonho.
O levantamento do acampamento era feito muitas vezes ainda sem sol, desmontávamos os panos das tendas, arrumávamos os sacos mochilas e disfarçávamos os vestígios da nossa presença. As latas vazias e o lixo era colocado num buraco, coberto com terra e folhas.
Era uma atitude que só nos convencia a nós, era do tipo gato escondido com rabo de fora, porque nunca era possível repor imediatamente o aspecto natural do local ou eliminar totalmente os vestígios deixados e as clareiras abertas pelo nosso calcar na vegetação.
(a seguir - Operação "Pato 7212", sexto dia)
(continuação de 42- Operação “Pato 7212”, primeiro dia)
No segundo dia, antes das horas de maior calor, andámos apenas meia dúzia de quilómetros.
Seguimos um pouco para sul, sem deixar qualquer indicação que o nosso verdadeiro trajecto era para oeste.
Ficámos perto de uma linha de água onde se tomou um banho refrescante.
A noite, passamo-la sem sobressaltos de maior, mas na companhia de um ou mais leões e dos seus longos rugidos. O chão até tremia.
O terceiro dia, foi bem diferente. Saímos folgados, mal começou a clarear. Progredimos, o máximo que nos foi possível, uns bons quilómetros em direcção à margem esquerda do rio Cuango.
Lembro-me que contrariei o plano da operação, optando pela margem esquerda, hoje não sei os verdadeiros motivos, mas naquela época, penso ter entendido que era a melhor estratégia.
Durante o percurso, tivemos o cuidado de vermos atentamente por onde íamos e de procurar vestígios. O que encontrávamos era antigo e irrelevante. As lavras estavam abandonadas, os trilhos não eram usados e a ausência de população era uma realidade.
Mesmo assim, estávamos perto, de uma, das conhecidas e consentidas zonas de acantonamento da UNITA, entre o Munhango e o Cassai.
Felizmente, apenas constatámos e colhemos os louros do trabalho desenvolvido, em meados de 1972, pela operação Rojão IH e pela intervenção do Agrupamento de Comandos, Raio (companhias 31, 33 e 37).
(a seguir - Operação “Pato 7212”, quarto e quinto dia)
(continuação de 40- Calejamento dos grupos de combate)
Calharam-me seis dias na mata com o meu grupo de combate na operação “Pato 7212”.
Na véspera de todas as operações, era meu hábito, reler os aerogramas particulares que me chegavam de Luanda com alguns destaques sobre a actividade do IN, ler a documentação oficial que recomendava a saída para a mata, e estudar, anotar e segmentar o percurso numa carta topográfica da região.
Ao jantar, alguns soldados questionaram-me sobre a saída de seis dias, em vez de cinco, e a razão de irmos para o rio Cassai com poucos homens, para uma zona tão perigosa.
Um condutor também me abordou sobre a saída.
– Então alferes, amanhã lá vão dar um passeio até ao Cassai!
Pensei: - Se toda esta gente na Companhia, sabe com antecedência aquilo que vamos fazer, também os carregadores e os turras o devem saber. Arriscamo-nos a ter alguma surpresa desagradável.
Falei com capitão sobre esta falta de confidencialidade, e a atenção que a zona merecia.
Mesmo assim, com o ar mais inocente do mundo, garantiu-me:
- Ninguém sabe da operação.
- Só eu é que sei a zona para onde vão e como a área da nossa Companhia é um território quase tão grande como o Alentejo, o risco é mínimo.
- O que dizem, é coisa que não me tira o sono.
- Até pensei que me ia dizer alguma coisa importante ou mais séria!
- Ainda lhe digo mais, mesmo o saber-se que vai haver, uma operação, não é um factor de insegurança é uma vantagem a nosso favor.
- O inimigo pensa sempre duas vezes antes de se aventurar no nosso território ...
Achei que não valia a pena continuar a participar naquele monólogo, estava a … sentir-me muuuito buuurro!
Mesmo assim, já feito burro, ainda argumentei:
- O pior, é se eles pensam quatro vezes e ficam à nossa espera prontos para as boas-vindas?
Encolhi os ombros e aceitei aqueles argumentos, afinal era uma teoria como qualquer outra.
Durante a noite trovejou e relampejou violentamente.
Porém ao início da operação sentia-se que o calor aumentava gradualmente de intensidade e as chuvas caíam algures mais para norte do local onde tínhamos sido largados.
O cheiro a terra molhada, era muito agradável e representava o rejuvenescimento da vida das plantas, dos animais e a força da natureza.
Dizia-me um soldado:
- Alferes Santos, a mata é muito agradável mas também transmite medo. Não se houve nada à nossa passagem, nem um ronco de um animal, nem um piar de um pássaro.
Tal como previra, a zona por onde andei, durante seis dias no meio de uma mata densa e em alguns locais de difícil penetração, numa área junto aos rios Cassai e Cuango, era uma zona, vizinha do acantonamento da UNITA (estávamos em pacto de não agressão) e da passagem do MPLA e FNLA para o norte de Angola (a maioria tinha regressado às bases na Zâmbia e no Zaire).
(a seguir - Operação "Pato 7212", primeiro dia)
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