(continuação de 42- Operação “Pato 7212”, primeiro dia)
No segundo dia, antes das horas de maior calor, andámos apenas meia dúzia de quilómetros.
Seguimos um pouco para sul, sem deixar qualquer indicação que o nosso verdadeiro trajecto era para oeste.
Ficámos perto de uma linha de água onde se tomou um banho refrescante.
A noite, passamo-la sem sobressaltos de maior, mas na companhia de um ou mais leões e dos seus longos rugidos. O chão até tremia.
O terceiro dia, foi bem diferente. Saímos folgados, mal começou a clarear. Progredimos, o máximo que nos foi possível, uns bons quilómetros em direcção à margem esquerda do rio Cuango.
Lembro-me que contrariei o plano da operação, optando pela margem esquerda, hoje não sei os verdadeiros motivos, mas naquela época, penso ter entendido que era a melhor estratégia.
Durante o percurso, tivemos o cuidado de vermos atentamente por onde íamos e de procurar vestígios. O que encontrávamos era antigo e irrelevante. As lavras estavam abandonadas, os trilhos não eram usados e a ausência de população era uma realidade.
Mesmo assim, estávamos perto, de uma, das conhecidas e consentidas zonas de acantonamento da UNITA, entre o Munhango e o Cassai.
Felizmente, apenas constatámos e colhemos os louros do trabalho desenvolvido, em meados de 1972, pela operação Rojão IH e pela intervenção do Agrupamento de Comandos, Raio (companhias 31, 33 e 37).
(a seguir - Operação “Pato 7212”, quarto e quinto dia)
(continuação de 41- Os preparativos da operação "Pato 7212")
No primeiro dia, começámos por chegar ao local da largada, por volta das seis horas.
Depois de reconhecido o local, seguimos, em coluna, na direcção do primeiro objectivo ao longo de um antigo trilho.
Os carregadores desta operação (pagos pelo exército), eram três homens nativos da aldeia de Samuge. Um, com mais de 40 anos, o Sá Moço, o carregador de todas as minhas operações, em quem eu sempre confiei, e outros dois, que nunca eram os mesmos das operações anteriores, aparentavam ser muito jovens.
À frente, ia o meu cão Buda, um pastor alemão, muito desejado por todos e que actuava melhor do que um pisteiro da mata, num frenético vai e vem.
Logo a seguir, com distâncias de dois a três metros entre cada homem, ia o Freitas (quase sempre o primeiro), o Nuno, e eu, seguidos pelo restante pessoal. Entre cada furriel havia uma secção. Os carregadores eram espalhados aleatoriamente ao longo da coluna.
A progressão inicial fez-se com relativa facilidade até entrarmos na zona de floresta densa, precisamente uma das áreas assinaladas como de contacto iminente.
Estávamos próximos da nascente do rio Cassai, o nosso primeiro objectivo.
Saímos do trilho e passámos a caminhar em zonas de vegetação mais densa, com alguns movimentos de diversão e muitas vezes com a necessidade de abertura de caminhos.
Sabia que estávamos nas proximidades da zona do 3º batalhão da FNLA, de onde foram afastados em Julho de 1972, cerca de 70 guerrilheiros bem armados, em consequência da operação Rojão IH.
Neste tipo de locais onde a probabilidade de contacto com o IN era maior, os carregadores ficavam muito nervosos e medrosos e os mais inexperientes chegavam mesmo a fugir como nos aconteceu numa operação realizada entre um afluente do rio Chicapa e a nascente do rio Chiume.
Parámos ao princípio da tarde numa zona limítrofe da densa vegetação, muito próximo de uma linha de água que parecia ser suficiente para o nosso abastecimento.
Não havia vestígios de passagem de humanos.
Após tantas horas de marcha, tudo indicava que era o sítio certo para recuperar forças e para pernoitar.
Chamei o Sá Moço e perguntei-lhe:
- É bom?
- É bom mesmo, não tem turra!
O Sá Moço era uma força da natureza, que fiquei a admirar para o resto da minha vida. Nunca conheci ninguém assim. Não era um homem muito falador, mas percebia um pouco da nossa língua. Era honesto, amigo quanto baste, respeitador, inteligente e auto-suficiente.
Um autêntico sobrevivente.
Nunca precisou, de usar:
Tinha sempre uma forma muito particular de estar. Reagia imediatamente às situações mais complicadas como um autêntico senhor e contava histórias inacreditáveis. Na mata, ao lado deste homem, eu era, apenas, um dependente de uma sociedade que nunca ensinou ninguém a sobreviver quando faltam certas mordomias.
Colocámos as sentinelas dois a dois, por períodos curtos. Limpámos a área e montámos com os panos de tenda um pequeno acampamento. Acordámos que, não faríamos fogo com fumo, evitávamos as conversas com barulho e não chamávamos o cão Buda.
Decidimos, que de manhã, iríamos bater a margem direita em círculo, mudar para lá o acampamento, ficar mais um dia e estar atentos a algum movimento no anterior local.
Hoje, estou convencido, com o vento a favor, se houvesse turras nas redondezas viriam a correr ter connosco, porque o cheiro a comida, das nossas latas da ração de combate depois de aquecidas, deveria espalhar-se por uma vasta área.
Lembrei-me da fuba a secar nas aldeias, uns bons quilómetros antes, já cheirava.
O Hamilton era o nosso, e impecável homem das transmissões. Nunca se esquecia das suas obrigações. Apenas gaguejava quando lhe aparecia o capitão em linha, e de tal forma ficava nervoso que nem a cantar conseguia falar. Francamente, poucas vezes me preocupei com este tipo de liderança imposta pelo medo.
Lembro-me do dia em que o Hamilton estava de serviço à porta de armas do quartel.
Quando passei, com a minha mulher, disse-me:
– Alferes, tenho aqui chouriço do puto.
Fazia o gesto, a abanar a mão direita metida nas calças e a agarrar um grande enchumaço. Fiquei meio atrapalhado com o gesto, mas também foi com espanto que o vi tirar do bolso uma grande chouriça.
– Alferes foi a minha mãe que enviou lá da terra, esta é para si.
Depois de um longo e nervoso dia numa região que tinha sido o refúgio da FNLA, até meados de 1972, descansei, como nunca, sobre um montão de folhas secas e na companhia de um cão que parecia nunca dormir.
Mesmo com muito frio, a noite passou-se bem.
(a seguir - Operação "Pato7212", segundo e terceiro dia)
(continuação de 40- Calejamento dos grupos de combate)
Calharam-me seis dias na mata com o meu grupo de combate na operação “Pato 7212”.
Na véspera de todas as operações, era meu hábito, reler os aerogramas particulares que me chegavam de Luanda com alguns destaques sobre a actividade do IN, ler a documentação oficial que recomendava a saída para a mata, e estudar, anotar e segmentar o percurso numa carta topográfica da região.
Ao jantar, alguns soldados questionaram-me sobre a saída de seis dias, em vez de cinco, e a razão de irmos para o rio Cassai com poucos homens, para uma zona tão perigosa.
Um condutor também me abordou sobre a saída.
– Então alferes, amanhã lá vão dar um passeio até ao Cassai!
Pensei: - Se toda esta gente na Companhia, sabe com antecedência aquilo que vamos fazer, também os carregadores e os turras o devem saber. Arriscamo-nos a ter alguma surpresa desagradável.
Falei com capitão sobre esta falta de confidencialidade, e a atenção que a zona merecia.
Mesmo assim, com o ar mais inocente do mundo, garantiu-me:
- Ninguém sabe da operação.
- Só eu é que sei a zona para onde vão e como a área da nossa Companhia é um território quase tão grande como o Alentejo, o risco é mínimo.
- O que dizem, é coisa que não me tira o sono.
- Até pensei que me ia dizer alguma coisa importante ou mais séria!
- Ainda lhe digo mais, mesmo o saber-se que vai haver, uma operação, não é um factor de insegurança é uma vantagem a nosso favor.
- O inimigo pensa sempre duas vezes antes de se aventurar no nosso território ...
Achei que não valia a pena continuar a participar naquele monólogo, estava a … sentir-me muuuito buuurro!
Mesmo assim, já feito burro, ainda argumentei:
- O pior, é se eles pensam quatro vezes e ficam à nossa espera prontos para as boas-vindas?
Encolhi os ombros e aceitei aqueles argumentos, afinal era uma teoria como qualquer outra.
Durante a noite trovejou e relampejou violentamente.
Porém ao início da operação sentia-se que o calor aumentava gradualmente de intensidade e as chuvas caíam algures mais para norte do local onde tínhamos sido largados.
O cheiro a terra molhada, era muito agradável e representava o rejuvenescimento da vida das plantas, dos animais e a força da natureza.
Dizia-me um soldado:
- Alferes Santos, a mata é muito agradável mas também transmite medo. Não se houve nada à nossa passagem, nem um ronco de um animal, nem um piar de um pássaro.
Tal como previra, a zona por onde andei, durante seis dias no meio de uma mata densa e em alguns locais de difícil penetração, numa área junto aos rios Cassai e Cuango, era uma zona, vizinha do acantonamento da UNITA (estávamos em pacto de não agressão) e da passagem do MPLA e FNLA para o norte de Angola (a maioria tinha regressado às bases na Zâmbia e no Zaire).
(a seguir - Operação "Pato 7212", primeiro dia)
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