(continuação de 52- O meu primeiro Natal em África)
Tínhamos entrado no ano de 1973, com a época das chuvas a causar muitos aborrecimentos. Era o mau estado das picadas, a dificuldade em circular com as viaturas e a falta do abastecimento dos géneros alimentícios. Aliás, o responsável pela gestão dos alimentos já vinha há algum tempo alertando para o facto de estarmos com poucos géneros, com défice orçamental, e com uma verba que não dava para compras extra.
A propósito, os cozinheiros também diziam que tínhamos perdido a noção do tempo, porque já havia duas semanas que estávamos sem reabastecimento, e que já se andava há três dias com refeições de feijão, massa cozida com água e sal, e atum ou cavalas de lata.
Recordo-me que a última refeição decente, tinha sido “estilhaços” de frango guisado, com massa de “assentar tijolos”.
O vago mestre, furriel V., perante estes indícios de desagrado, nos cozinheiros e no pessoal, foi peremptório:
- Aqui não fazemos milagres!
-Estou farto de pedir, mas não mandam o que necessitamos!
- Não há viaturas que venham ao Alto Chicapa e o avião também não pode aterrar na nossa pista!
- Como o tédio abunda e as noites custam a passar, proponho umas caçadas na zona para reabastecermos as arcas e quebrarmos as últimas magras dietas.
Participei numa dessas caçadas nocturnas.
Éramos quatro num Unimogue a gasolina, uma caixa de ferramentas, uma espingarda mauser, do tempo da segunda guerra mundial, e um farolim.
Regressámos por volta das duas da madrugada com duas peças de caça, um animal de bom porte, um burro do mato com cerca de 120 quilos, e uma gasela com cerca de 20 quilos.
Nunca gostei de andar à caça, mas neste caso, a necessidade falava mais alto e em consciência, foi apenas o necessário.
Quando chegámos ao quartel, os mais curiosos interromperam o sono para verem o resultado.
A natureza era generosa, conseguíamos sempre a carne que o exército nos deveria fornecer. Aliás, toda a região tinha água potável e era muito fértil com terras propícias para a lavoura e com um clima favorável, onde tudo o que semeavam nascia sem necessidade de grandes cuidados.
Um dia, presenciei uma mulher a preparar uma lavra de milho. Era um método estranho, inacreditável e impossível de ser mais simples. Sem cavar o terreno, limpou-o de alguns ramos e ervas secas. De seguida, colocou à superfície e alinhados, uns pequenos montículos de terra misturada com excremento de cabra. Finalmente, introduziu-lhes um grão de milho. Duas semanas depois, com a ajuda das chuvas, nascia um exemplar campo de milho.
Mas, o que atormentava quase todos era a falta do correio, que, em condições de bom tempo, vinha uma vez por semana, pela parte da manhã, num pequeno avião mono motor da base aérea de Henrique de Carvalho, a pouco menos de uma hora de voo.
Naquela época, era a única forma, rápida e económica, de reabastecimento do nosso quartel.
Trazia a dotação de carne, frangos e peixe (pouco), com que abastecíamos as arcas frigoríficas a petróleo, algumas encomendas de camarão ou lagosta para petiscos, e um alimento muito mais valioso, para quase todos, o correio, com o qual se matavam as saudades de casa.
Como era bom, naquele tempo, o momento do dia em que abríamos o correio.
Era um momento mágico, todos o esperavam ansiosos.
Hoje, é engraçado, na melhor das hipóteses não há correspondência, ou se a há são coisas chatas, publicidade ou a maldita correspondência das finanças.
O bom correio que tanto nos alegrava, desapareceu.
(a seguir - Férias no "Putu")
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. Ex-Militares