(continuação de 36- O nosso aquartelamento)
No primeiro passeio que dei no exterior do quartel cruzei-me com um jovem, bem apresentado, talvez acima do normal para aquele meio. Tinha vindo buscar um papel com uma autorização do chefe de posto para poder transitar na mata.
Era um procedimento mais ou menos habitual nesta zona, mas o que me chamou a atenção era o que ele estava a fazer, a tratar da higiene oral, com um pequeno pau.
Não tinha água nem a nossa pasta dentífrica.
Este homem tinha uma fiada de magníficos dentes de esmalte branco, perfeitos, que contrastavam com a pele escura da cara. O pau que fazia de escova, com um comprimento mais ao menos de um pequeno lápis, tinha uma das extremidades afiada, para limpeza das cavidades e entre os dentes, e na outra extremidade, uma autêntica escova, constituída pelas fibras soltas da própria madeira que friccionava nos dentes.
Arranjei um pretexto para meter conversa e transmiti-lhe a minha ignorância, a surpresa e o espanto. Acho que se sentiu confiante. Ficou comunicativo e até me pareceu que se esbateram algumas barreiras sociais. Falava o português, bem melhor do que eu estava à espera.
Contou-me a história da escova de dentes, a razão da visita a uns familiares na sanzala do Cucumbi, a sua posição como professor / monitor na região, pago pelo estado português, e ainda a sua descendência de um antigo chefe de aldeia, quando ainda os havia com muita influência, dizia.
Ficámos amigos, quase verdadeiros, do tipo instantâneo.
Penso que foram as diferenças sociais que nos ligaram ao essencial. Nunca esperámos nada um do outro, apenas o privilégio de beber umas cervejas ao sábado na loja do Sr. Capela e estar à conversa pela noite dentro.
O P. (não é P. de professor) nunca me questionou sobre a nossa actividade militar em Angola, mas gostava de saber coisas de Portugal e em especial do meu envolvimento na vida académica em Lisboa. Tudo lhe contei sem omissões, inclusive a minha posição perante a política e aquela guerra. Em dado momento, já com meia dúzia de cervejas saboreadas, confidenciou-me que tinha um sonho, se um dia fosse para Portugal, ia perder-se de amores por uma mulher branca, mas peluda.
Passados alguns dias, encontrei-o em plenas funções, na sua escola, na Sanzala do Camachilonda onde me fez contar uma história, das de Portugal, daquelas para miúdos (contei a história da padeira de Aljubarrota, que não era bem para miúdos, mas adoraram) e uns meses depois em António Cavula, onde estava um seu familiar com a categoria de monitor, embora também fosse um misto de professor e enfermeiro, fez-me repetir a história.
Ao longo deste documento vou contar como, em Fevereiro de 1974, este amigo me mostrou porque era verdadeiro, a forma como de forma desinteressada ajudou o meu grupo de combate ou me protegeu nas minhas viagens solitárias, do Alto Chicapa ao nosso destacamento de António Cavula e vice-versa.
Nessa data, já sabia que o P. e o primo estavam próximos do MPLA e que a população maioritariamente apoiante da UNITA, tinha familiares guerrilheiros. Entre os mais velhos também havia alguns simpatizantes da FNLA.
Ele e o primo, foram amigos verdadeiros, e para toda a vida, que deixei e não voltei a ver, no entanto aparecem assim, acidentalmente tirados do fundo de uma qualquer gaveta ou da minha memória onde estão arquivados, à luz do mais genuíno e feliz dos meus dias nas relações entre as pessoas.
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