Quarta-feira, 1 de Outubro de 2008

35- As sentinelas

(continuação de 34- Alto Chicapa)

 


 

Este texto contém algumas frases que são impróprias, para menores ou pessoas sensíveis.

 

Voltando às noites, que eram normalmente muito escuras, mas onde se via tudo, reparei que à distância de centena e meia de metros havia uma sentinela a fumar no alto da vigia. Via-se perfeitamente o momento em que estava a puxar uma fumaça e a ponta do cigarro mais brilhante, tão brilhante que dava para adivinhar os contornos da cara.
 

Aproximei-me, e disse-lhe:
- Ouve lá, oh B.!
- Queres ir encaixotado para Trás-os-Montes?
- Os turras abrem-te dois buracos na cabeça, um à frente e o outro atrás!
- És um autêntico anjinho, ao menos respeita os outros e a segurança quando estás de sentinela!
Na manhã seguinte, o rapaz encheu-se de razões e como não gostou nada daquela chamada de atenção foi queixar-se ao alferes responsável pelo seu grupo de combate que acabou por se zangar e ainda afirmou com ares de ofendido que ali quem mandava era ele.


Uma outra vez, encontrei as sentinelas a jogar às cartas. Disse-lhes qualquer coisa, que não me recordo, e rasguei-lhes as cartas. Zangaram-se como era obvio, devolveram-me ameaças, mas ignorei-as, e deixei-os orgulhosamente sós.


Ainda, uma outra vez, mas esta foi muito penosa para mim, não sei os motivos do meu desgosto naquele momento, sei que fiquei arrependido de o ter feito. Enquanto o moço dormia profundamente e na paz dos anjos, levei-lhe a arma para o meu quarto. Hoje, tenho a certeza que o deveria ter acordado. Concretamente, não conhecia a vida do rapaz nem os seus problemas, só sabia que pertencia ao pelotão do alferes C. De manhã, apareceu no meu quarto. Garantiu-me que tinha apanhado um valente susto e uma grande lição. Recebi dele provas de um grande carácter e uma grande lição de humildade. Onde estiveres, bem hajas.

 

Finalmente, um outro caso, este por volta das 4 horas da manhã (quase dia em África), com um elemento do meu grupo de combate.
- Então A. que se passa?
- Alferes não diga nada ao Capitão, só estava a esgalhar uma pívia à maneira.
- Isso, eu vi, cheguei até aqui, nem davas por mim, os outros levavam-te ao colo.
- Oh meu alferes, peço desculpa, estava a olhar para a loiraça do calendário e comecei a lembrar-me daquela moça “explosiva” do cinema em Henrique de Carvalho, moreninha, calças justas, um valente papo e um par de mamas sem sutiã a quererem saltar para fora da camiseta.
- Dava-lhe cá uma martelada e enterrava-a até aos tomates e tenho a certeza de que ela se rebolaria a pedir mais.
- Repara A., o capitão não é para aqui chamado e também percebi o motivo do teu desatino, mas podemos levar com uns balázios se não estiveres atento e compreende que estávamos todos a confiar em ti.
- Alferes, tem toda a razão, somos amigos e não volta acontecer, mas acredite …, para mim, aquela mulher é só cona!


O que acabei de relatar, foram casos isolados e não aconteciam com muita frequência, como eventualmente poderá parecer nesta narrativa.

 

Pelo contrário, com a velhice, com o isolamento do posto de vigilância e com alguns momentos de arrepio, a sentinela já impunha a si própria uma auto defesa intermédia e interessante, colocava pequenas e engenhosas armadilhas, até criava um ponto de diversão que tornava o intruso em alvo fácil, ou pedia a ajuda de um amigo para colaborar no serviço.


Não estou arrependido de ter estado naquela tropa.

 

Valeu a pena viver aqueles momentos e ver a camaradagem de muitos e dos soldados que estavam sempre voluntários para tudo, mesmo vivendo em condições menores e com muito pouco dinheiro.
 

publicado por Alto Chicapa às 13:39

link do post | comentar | favorito

.mais sobre mim

.pesquisar

 

.Dezembro 2008

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1
2
3
4
5
6
7
8
9
12
13
16
17
19
20
22
23
25
26
27
29
30
31

.posts recentes

. 66- Conclusões

. 65- Epilogo / Fim da comi...

. 64- Epilogo / Destacament...

. 63- Três crianças no quar...

. 62- Os meus olhos já iam ...

. 61- Deslocação a Henrique...

. 60- O tchimbanda

. 59- A iniciação dos rapaz...

. 58- A iniciação das rapar...

. 57- Mergulhos no rio

. 56- Mudança no comando da...

. 55- Torneio de futebol

. 54- Férias no "Putu"

. 53- Sem reabastecimento e...

. 52- O meu primeiro Natal ...

. 51- Um fim-de-semana ante...

. 50- Já passei por aqui e ...

. 49- Uma jiboia e o ataque...

. 48- Formigas quissongo e ...

. 47- Perdidos na mata

. 46- Formigas térmites e d...

. 45- Operação "Pato 7212",...

. 44- Operação "Pato 7212",...

. 43- Operação “Pato 7212”,...

. 42- Operação "Pato 7212",...

. 41- Os preparativos da op...

. 40- Calejamento dos grupo...

. 39- Chuva diluviana

. 38- Missão humanitária

. 37- Primeiro passeio pelo...

. 36- O nosso aquartelament...

. 35- As sentinelas

. 34- Alto Chicapa

. 33- Alto Chicapa, a minha...

. 32- O que é que eu faço a...

. 31- Ordem de movimento pa...

. 30- Chuva e trovoada

. 29- Dois irmãos de mães d...

. 28- O povo e a vida difíc...

. 27- Longínqua terra para ...

. 26- Uma G3 e cinco carreg...

. 25- "Chindelo" só querer ...

. 24- O “nossoalferes” paga

. 23- O O. desenfiou-se

. 22- Fiéis katangueses

. 21- Ataque ao MVL (Movime...

. 20- Exército de mosquitos

. 19- Informação militar em...

. 18- Entregues a nós própr...

. 17- Os maçaricos

.arquivos

. Dezembro 2008

. Novembro 2008

. Outubro 2008

. Setembro 2008

. Agosto 2008

. Julho 2008

. Junho 2008

. Maio 2008

. Abril 2008

.tags

. todas as tags

.links

blogs SAPO

.subscrever feeds

Em destaque no SAPO Blogs
pub