Domingo, 21 de Setembro de 2008

33- Alto Chicapa, a minha nova residência

(continuação de 32- O que é que eu faço aqui?)

 

Encontrava-me de novo entre nativos, quiocos (tutchokwe) e minungos (tuminungu) de língua nativa tchokwe, a cerca de 300 kms da cidade de Henrique de Carvalho, 6 a 10 horas, entre picadas e asfalto, numa Berliet e um Unimogue ou a 55 minutos num avião mono motor.


Enfim, tudo era, mais uma vez, novo para mim, tirando a mata que já conhecia.


A experiência adquirida na 1ª parte da nossa comissão, em Sacassange e no destacamento do Canage, levou-me a ser mais perfeccionista e um pouco mais calculista. Dispensava os problemas e queria a todo o custo ir direitinho para a “peluda” (vida civil).


Estávamos numa terra que não era a nossa. Sabia que, pelo evoluir da guerra e pelas reais fraquezas nos movimentos de libertação, o regresso só podia depender essencialmente de nós.


Depois do que já tinha vivido em África, sabia que a receita, para todos nós, era estarmos ocupados e o mais longe possível da boa vida que só trazia problemas.


Mas, nem tudo era assim tão simples. Era necessária uma grande presença de espírito e muita capacidade de encaixe para enfrentar as situações adversas e as fraquezas próprias de um ser humano.


É por estas coisas, que eu sinto, que tudo isto, foi uma escola de vida, onde grandes valentões ficaram sem coragem e frieza alguma e indivíduos por quem à primeira vista não se dá nada por eles, revelaram-se verdadeiros senhores de sangue frio e coração quente.


Tínhamos de ser duros no momento exacto, mas não era necessário chegar à dureza cega como vinha acontecendo com alguma frequência. Até mesmo entre militares graduados e homens feitos, alguns não sabiam perdoar, não faziam por esquecer situações menos correctas dos outros e não conseguiam manter as relações adequadas e equilibradas com todas as pessoas.

 

Efectivamente, não era fácil, e era a pior das guerras.
 

Por exemplo, a rigidez do nosso capitão, comandante da companhia, impedia mais do que uma camaradagem de ocasião. Era um homem mal disposto, complexo, com alguns traumas ou medos e não sabia perdoar. Resolvia tudo com a punição.

 

Julgo que ainda há, por aí, muito boa gente com razões de sobra para se lamentar com certas atitudes de outros tempos, mas história é história e o homem tem sempre o direito a redimir-se e vou mais além, águas passadas não movem moinhos.
 

Em minha opinião, os oficias, onde estou incluído, não estão isentos de culpas, cada um vivia praticamente para si próprio, para as cartas que recebia e enviava, para o pelotão, para as saídas para a mata, para os trabalhos com obras de construção nas aldeias, para os destacamentos, para ser o melhor e acima de tudo com a preocupação da sobrevivência a qualquer preço.


Onde se ia vendo mais espírito de grupo e de camaradagem era ao nível dos furriéis.
 

publicado por Alto Chicapa às 15:20

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