(continuação de 25- "Chindelo" só querer "maka")
Mesmo em tempo de guerrilha, onde tinha que salvar a minha pele e lembrar-me que era um militar, embora de uma guerra que não tinha comprado, sentia uma saudável, sincera e desinteressada colaboração em muitos momentos entre “nós” e “eles”, percebia que as pessoas eram puras e não tinham maldade e que a sua revolta devia-se não por causa dos militares mas pelos sucessivos anos de ausência de políticas económicas e sociais, do abandono da administração colonial (Salazar nunca foi a África), o amadorismo dos seus funcionários, dos maus tratos, do trabalho forçado e não pago e de muita “porrada”, como diziam.
Contavam, que só pegaram em armas, a exemplo do que tinha acontecido noutros países e porque os brancos portugueses lhes tinham imposto uma vida de escravos.
Estávamos já há algum tempo deslocados naquele destacamento. O armamento disponível era composto por uma espingarda individual G3, cinco carregadores com 20 munições cada, o dilagrama (dispositivo com munição especial, acoplado à G3 para lançar granadas de mão) e algumas granadas de mão defensivas.
A nossa segurança nocturna era sempre insuficiente e ridícula.
O armamento, que era para ser poupado e nem pensar em gastar as munições, tinha um fiel vigilante na nossa companhia, um sargento do quadro permanente do exército, que também costumava dizer, a tropa desenrasca-se com aquilo que tem.
Hoje, posso confidenciar, que contava e vivia muito com a nossa sorte, com o espírito de sacrifício, a resistência e a capacidade de sofrimento dos nossos soldados, com o enfraquecimento do MPLA na região, com a deslocação da simpatia das populações locais pelo outro movimento de libertação, a UNITA, o desentendimento entre os movimentos de libertação e o acordo bizarro entre colonizador e colonizado, feito entre a tropa da Região Militar Leste, pelos Generais Costa Gomes e Bettencourt Rodrigues, um grupo de madeireiros e o chefe do Galo Negro. Este acordo, transformado num pacto de não agressão, garantia cinicamente à UNITA o controlo do Leste de Angola.
Também sabia que o ano de 1972 estava a ser devastador para a FNLA (Frente Nacional para Libertação de Angola) e o MPLA (Movimento Popular para a Libertação de Angola).
Viviam com gravíssimos desentendimentos internos. A FNLA teve que enfrentar uma grave amotinação dos elementos na base de Kinkuso, obrigando as tropas do Zaire a intervir, e o MPLA foi confrontado com uma revolta encabeçada por Daniel Chipenda (ex-jogador da Académica de Coimbra), em oposição a Agostinho Neto.
Estes factos, acumulavam-se desde o início de 1972 e foram em grande parte uma consequência da ofensiva portuguesa.
No decorrer do ano de 1972, a fraqueza destes movimentos no Leste era evidente. O número de acções que efectuaram sobre as tropas portuguesas e nas populações e o número de baixas que provocaram nas NT (nossas tropas) foi escasso e insignificante a partir do mês de Setembro.
A FNLA entrou em crise total e retirou o seu batalhão para o Zaire, enquanto o MPLA, após o colapso dos seus esquadrões, recolheu às suas bases na Zâmbia.
Mais tarde, perante a desorganização dos dois movimentos que se desfaziam, a OUA e Mobutu juntou-os, com a assinatura do acordo de Kinshasa em 13 de Dezembro de 1972.
Quando fui informado deste acordo, pensei o pior para nós e calculei que iria surgir no terreno uma força poderosa com um objectivo comum, porque a solução encontrada com a criação do CSLA (Conselho Superior de Libertação de Angola) do CMU (Comando Militar Unificado) e do CPA (Conselho Político Angolano) era correcta.
O acordo felizmente não teve consequências, devido às fortes contradições e às inúmeras divergências nos movimentos de libertação e dos seus líderes.
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