Domingo, 30 de Novembro de 2008

54- Férias no "Putu"

(continuação de 53- Sem reabastecimento e correio)


Entre Fevereiro e Março de 1973 “meti” férias, na, e da guerra, e fui até à metrópole, ao Putu, numa longa viagem de 40 dias, 4 dias em Henrique de Carvalho (2 na ida e 2 no regresso), 6 dias em Luanda (3 na ida e 3 no regresso) e 30 dias em Lisboa com a minha jovem mulher, o meu filho e a família.


Somando aos longos dias das viagens, que tive de fazer, os dias do calendário das férias não se esqueceram de avançar rapidamente sem eu dar por isso, e muito mais depressa do que eu estava à espera.
Quando estamos bem, distraídos, entusiasmados e com prazer, o tempo voa sem darmos por ele.


Antes do final das férias, já andava cheio de saudades da vida civil e sem grande vontade de regressar, mesmo assim, tive de voltar ao “meu” quartel no interior de Angola.


Cheguei por volta da hora do almoço, depois de três longas viagens.


A nossa messe, mesmo muito longe de uma cidade, tinha todas as comodidades para uma razoável refeição e, em complemento, ainda havia, logo ao lado, um bar para o café, que era agradável e sempre muito bem cuidado pelo camarada Sousa.

 

A saborosa bica que bebia, nas férias, no “Xico” do Restelo, era agora substituída por outra, que só por dificuldades da máquina, não era tão boa, mas fazia parte de um vício que se mantinha e que muitas vezes eu complementava com uma aguardente 1920 em balão aquecido.


Efectivamente, faltava no Alto Chicapa, um lugar onde pudéssemos estar longe de tudo o que nos fizesse lembrar a tropa, uma máquina de café expresso de qualidade, o ambiente de um café e o convívio com os civis em bons momentos de conversa.
 

(a seguir - Torneio de futebol)

 

publicado por Alto Chicapa às 12:18

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Domingo, 23 de Novembro de 2008

53- Sem reabastecimento e correio

(continuação de 52- O meu primeiro Natal em África)


Tínhamos entrado no ano de 1973, com a época das chuvas a causar muitos aborrecimentos. Era o mau estado das picadas, a dificuldade em circular com as viaturas e a falta do abastecimento dos géneros alimentícios. Aliás, o responsável pela gestão dos alimentos já vinha há algum tempo alertando para o facto de estarmos com poucos géneros, com défice orçamental, e com uma verba que não dava para compras extra.


A propósito, os cozinheiros também diziam que tínhamos perdido a noção do tempo, porque já havia duas semanas que estávamos sem reabastecimento, e que já se andava há três dias com refeições de feijão, massa cozida com água e sal, e atum ou cavalas de lata.

Recordo-me que a última refeição decente, tinha sido “estilhaços” de frango guisado, com massa de “assentar tijolos”.


O vago mestre, furriel V., perante estes indícios de desagrado, nos cozinheiros e no pessoal, foi peremptório:
- Aqui não fazemos milagres!
-Estou farto de pedir, mas não mandam o que necessitamos!
- Não há viaturas que venham ao Alto Chicapa e o avião também não pode aterrar na nossa pista!
- Como o tédio abunda e as noites custam a passar, proponho umas caçadas na zona para reabastecermos as arcas e quebrarmos as últimas magras dietas.


Participei numa dessas caçadas nocturnas.
Éramos quatro num Unimogue a gasolina, uma caixa de ferramentas, uma espingarda mauser, do tempo da segunda guerra mundial, e um farolim.
Regressámos por volta das duas da madrugada com duas peças de caça, um animal de bom porte, um burro do mato com cerca de 120 quilos, e uma gasela com cerca de 20 quilos.
Nunca gostei de andar à caça, mas neste caso, a necessidade falava mais alto e em consciência, foi apenas o necessário.
Quando chegámos ao quartel, os mais curiosos interromperam o sono para verem o resultado.


A natureza era generosa, conseguíamos sempre a carne que o exército nos deveria fornecer. Aliás, toda a região tinha água potável e era muito fértil com terras propícias para a lavoura e com um clima favorável, onde tudo o que semeavam nascia sem necessidade de grandes cuidados.


Um dia, presenciei uma mulher a preparar uma lavra de milho. Era um método estranho, inacreditável e impossível de ser mais simples. Sem cavar o terreno, limpou-o de alguns ramos e ervas secas. De seguida, colocou à superfície e alinhados, uns pequenos montículos de terra misturada com excremento de cabra. Finalmente, introduziu-lhes um grão de milho. Duas semanas depois, com a ajuda das chuvas, nascia um exemplar campo de milho.


Mas, o que atormentava quase todos era a falta do correio, que, em condições de bom tempo, vinha uma vez por semana, pela parte da manhã, num pequeno avião mono motor da base aérea de Henrique de Carvalho, a pouco menos de uma hora de voo.


Naquela época, era a única forma, rápida e económica, de reabastecimento do nosso quartel.


Trazia a dotação de carne, frangos e peixe (pouco), com que abastecíamos as arcas frigoríficas a petróleo, algumas encomendas de camarão ou lagosta para petiscos, e um alimento muito mais valioso, para quase todos, o correio, com o qual se matavam as saudades de casa.


Como era bom, naquele tempo, o momento do dia em que abríamos o correio.
Era um momento mágico, todos o esperavam ansiosos.
Hoje, é engraçado, na melhor das hipóteses não há correspondência, ou se a há são coisas chatas, publicidade ou a maldita correspondência das finanças.
O bom correio que tanto nos alegrava, desapareceu.
 

(a seguir - Férias no "Putu")

 

publicado por Alto Chicapa às 12:50

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Quinta-feira, 20 de Novembro de 2008

52- O meu primeiro Natal em África

(continuação de 51- Um fim-de-semana antes do Natal)

 

O meu primeiro Natal em África estava por horas.


A calma nas tarefas e os dias rotineiros do quartel permitiram-me o envio das boas festas a tempo. Socorri-me de uma velha agenda, levada de Lisboa, onde apontei as moradas de amigos e familiares, mas que por necessidade passou rapidamente a um diário de letra miudinha muito apertada e com todos os espaços em branco aproveitados, incluindo as margens.
Hoje, a trinta e seis anos de distância dos acontecimentos, o pior tem sido as muitas palavras reduzidas, as frases inacabadas, as referências e as abreviaturas, e ainda, o mais frustrante, quando não se percebe a nossa própria letra.


Já não me lembro dos pormenores da consoada, da árvore de Natal, da música alusiva à época, se a houve, do bacalhau com batatas ou do bolo-rei. Porém, o ambiente geral era relativamente agradável e havia a melhor das disposições.


Numa noite com um enorme manto de estreladas dei uma volta de boas festas pelas sentinelas. Também fui pelas casernas com uma mensagem de amizade, afinal eram eles a minha família mais próxima.

Demorei-me um pouco mais na caserna do meu grupo de combate, onde, no meio de um grupo de soldados a jogarem à lerpa e de outros a conversarem e a rirem, havia uma mesa improvisada com chouriço, presunto, queijo, bolos secos pinhões e uma garrafa de espumante.

Ainda havia quem estivesse a reler aerogramas antigos, e outros, mais cansados, recuperavam de uma semana de mata com roncos surdos. Mais ao fundo, metido a um canto, estava o Alves que sem dar pela minha presença mostrava um ar calmo e feliz, provavelmente a reviver sonhos, a terra, os familiares, os amigos e a namorada.

- Então Alves?

- Um bom Natal!

– Desculpe meu Alferes, estava distraído a sonhar com a consoada junto da família, com a Missa do Galo lá na terra, e com a fogueira no adro da igreja.


A minha noite de Natal continuou no bar de oficiais entre espumante, uma animada conversa, dois whiskies e algumas anedotas alusivas à época.
Ainda me recordo de duas, a dos dois militares que tinham pontos de vista diferentes: um era pessimista e o outro optimista. No Natal o pessimista recebeu uma bicicleta e o optimista, uma caixinha com uma bosta de cavalo.
Diz o pessimista:
- Agora que recebi um bicicleta, vou cair e aleijar-me! E tu, o que é que recebeste?
- Eu recebi um cavalo, mas ainda não sei onde está.
E aquela, quando a mãe pergunta à filha:
- Então o que gostavas que o Pai Natal te desse?
- Preservativos L.M..
- Preservativos L.M.?!
- Sim, é que eu tenho cinco bonecas e não quero ter mais nenhuma.


No final, ainda veio o momento das ofertas do Movimento Nacional Feminino. Pelo meu lado, recebi um número do Cavaleiro Andante de 1966, um número da revista, Flama, já com quatro anos, e um estojo com uma gillete, um pacote de cinco lâminas ligeiramente ferrugentas, e um pincel para desfazer a barba.

 

Mas, a vida no Alto Chicapa nem sempre era assim tão cor-de-rosa.

Um dia, depois do serviço no quartel, fui dar um passeio na companhia do meu cão Buda, no exterior do arame farpado.
Andava de uma forma descontraída, em calções, camisola branca de manga curta e sem arma.

 


Quando passei junto ao depósito da água, senti que naquele momento, estava um homem a ser interrogado por alguém, e que teimava em nada contar. Ouviam-se gritos e mais gritos, sem parar.
Provavelmente estavam a convencer o infeliz a falar.
Por ser arrepiante, ainda hoje lhe oiço os gritos.


Num outro caso, acontecido umas semanas depois, assisti à tentativa miserável de obrigarem um homem a falar que estava de mãos presas e deitado no chão com uma roda do jipe encostada à cabeça.
O silêncio do homem, interrompido pelo acelerar do motor, era assustador.


Nunca me explicaram os motivos destes acontecimentos nem da prática de interrogatórios com jipe, mas contaram-me, que, quando ficam calados, os procedimentos habituais era entrega-los à DGS / PIDE, para os obrigarem a falar ou os levarem.
 

(a seguir - Sem reabastecimento e correio)

 

publicado por Alto Chicapa às 15:34

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Domingo, 16 de Novembro de 2008

51- Um fim-de-semana antes do Natal

(continuação de 50- Já passei por aqui e um condutor nervoso)

 

A vida no quartel mantinha-se sempre igual e rotineira, mas era muito exigente para aquele meio, obrigava-nos a uma certa postura diária e a muita disciplina no vestuário, e ao cumprimento dos horários.


Entre o capinar e a plantação de abacaxis, havia sempre muitos trabalhos de manutenção ao quartel e de obras nas sanzalas.


Um certo dia, julgo que fui premiado sem o saber, fiquei de fiscal aos soldados que andavam a capinar o quartel.
A minha função era, mais ou menos, igual às do tempo das pirâmides do Egipto, obrigava-os a trabalhar e no final do dia identificava o trabalho feito, só me faltava o chicote.
É obvio que aquela tarefa era necessária, mas mesmo assim, parecia sempre um castigo para todos.


Eu, … desenfiava-me, e ainda mais do que os soldados.

 

Numa das minhas passagens pelo trabalho, encontrei sete indivíduos sentados em amena cavaqueira.
Perguntei-lhes:
- Então Quirino, o que estão a fazer?
- Estamos a capinar meu alferes.
- O que eu vejo é só conversa e estão num sítio onde nem sequer há capim.
– Alferes, a velhice é um posto e se nós estivermos aqui o capim não volta a crescer.


Um fim-de-semana antes do Natal, tive a sorte de assistir a um mercado. O Alto Chicapa ficou muito concorrido e com muita gente das sanzalas. Era um mercado da farinha de mandioca, bem como o de algum feijão proveniente das lavras.

 

 

Era vendido em parte a dois comerciantes ou trocados por peixe seco, carne seca, óleo de palma e panos.


Conheci bem um desses comerciantes, o Sr. Capela, um homem sempre prestável, pelo menos para os militares.

Nunca me esqueci do seu cozinheiro e dos seus valentes petiscos que tão bem sabia fazer com óleo de palma, e ... daqueles frangos, esfregados com sal e gindungo, que depois de assados davam para beber uma grade de cervejas.
 

( a seguir - O meu primeiro Natal em África)

 

publicado por Alto Chicapa às 12:01

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Quinta-feira, 13 de Novembro de 2008

50- Já passei por aqui e um condutor nervoso

(continuação de 49- Uma jiboia e o ataque do Buda)

 

Nas 79 operações e patrulhamentos que o 1º grupo de combate realizou, onde não houve mortes, feridos ou acidentados, conhecemos dificuldades e muitas contrariedades, mas a sorte nunca nos abandonou porque fomos sempre audazes, disciplinados e prudentes.
Restaram, para recordar, algumas situações curiosas, como por exemplo:


O dia, em que numa operação estivemos a passar no mesmo sítio, uma vez, duas vezes, e à terceira … ouve-se o furriel Gomes, em voz alta: - Porra ... já passei por aqui!
Efectivamente tínhamos estado a andar em círculo.

 

O nervoso que se apoderou de um condutor, que por castigo, foi obrigado a participar numa operação.

O meu grupo de combate calejado naquelas andanças não ligou à situação e considerou-o como sendo mais um.
O primeiro dia começou logo por não ser nada fácil, enjoou durante a deslocação, estava transparente e no ponto de largada reparou-se que não tinha levado a arma nem as cartucheiras.
Ali, na mata, o nível de camaradagem tinha o seu valor mais alto e tudo se resolveu rapidamente sem mais humilhações … no final da operação parecia outro, tinha gostado e já assobiava como os passarinhos.
 

(a seguir - Um fim-de-semana antes do Natal)

 

publicado por Alto Chicapa às 13:32

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Segunda-feira, 10 de Novembro de 2008

49- Uma jiboia e o ataque do Buda

(continuação de 48- Formigas quissongo e a fuga dos carregadores)

 

Nas 79 operações e patrulhamentos que o 1º grupo de combate realizou, onde não houve mortes, feridos ou acidentados, conhecemos dificuldades e muitas contrariedades, mas a sorte nunca nos abandonou porque fomos sempre audazes, disciplinados e prudentes.
Restaram, para recordar, algumas situações curiosas, como por exemplo:


A operação realizada na margem esquerda do rio Chicapa onde fomos confrontados com uma grande cobra.
Acampámos numa zona mais elevada onde começava o arvoredo, sempre o local mais seguro.
Quando um grupo nos ia abastecer de água com os cantis, ficaram estáticos a meio do percurso e frente a frente com um monstro de cabeça levantado à altura de um homem.
O Cassiano, o último do grupo voltou atrás a pedir ajuda.
Estávamos a ser postos à prova numa situação que era inédita e que teve que ser tratada com pinças.
Com algum sangue frio, abati o animal com dois tiros na cabeça, um ao lado do outro.
Mais calmos, e passada a surpresa, confrontámo-nos com uma jibóia, de seis / sete metros de comprimento e palmo e meio de largura, um bicho lindo e respeitável, daqueles que só se vêm nos filmes.
Sem o sabermos, a sorte esteve do nosso lado, porque só não fomos atacados ou mordidos devido ao facto de a cobra estar com uma cabra inteira dentro da barriga, com cornos e tudo.
No final, aproveitou-se tudo e até provei um bifinho, que sabia a peixe de rio.
Não sou, nem nunca serei, um caçador de troféus, mas guerra é guerra, ou se mata ou se morre.

 

O ataque do meu cão Buda sobre três nativos que tentavam passar dissimulados.
Estávamos muito afastados do nosso quartel, junto à nascente do rio Chiumbe, numa zona de guerra onde era proibida a circulação de civis.
Quando percorríamos um trilho, e num abrir e fechar de olhos, o cão sai disparado sobre três indivíduos, hoje já não me lembro bem como é que isto tudo acabou, mas ainda me recordo que conforme o cão avançava ouviam-se vários gritos, Buda euá, Buda euá, Buda euá … (Buda vai-te embora).
Entendi que conheciam o cão, mas nunca cheguei a perceber a ausência de tiros e a nossa permissão para aquela fuga.
Hoje, sinto que o Buda, um cão conhecido e temido na nossa zona, foi bom para nós e para eles.
 

( a seguir - Já passei por aqui e um condutor nervoso)

 

publicado por Alto Chicapa às 14:57

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Quarta-feira, 5 de Novembro de 2008

48- Formigas quissongo e a fuga dos carregadores

(continuação de 47- Perdidos na mata)

 

Nas 79 operações e patrulhamentos que o 1º grupo de combate realizou, onde não houve mortes, feridos ou acidentados, conhecemos dificuldades e muitas contrariedades, mas a sorte nunca nos abandonou porque fomos sempre audazes, disciplinados e prudentes.

 

Restaram, para recordar, algumas situações curiosas, como por exemplo:
 

O dia em que fomos invadidos e atacados pela quissongo.

É uma formiga com o corpo fino e avermelhado, uma cabeça relativamente grande e duas fortes mandíbulas que se cravam facilmente na carne.
Ela é persistente, consegue ultrapassar cursos de água e só não resiste ao fogo.

O ser humano e outros animais, por mais ferozes que sejam, podem ser devorados vivos.
 

Inadvertidamente, tínhamos parado num dos seus territórios. Lentamente, começaram a andar pelo interior das nossas calças, botas e pernas acima e de uma forma que parecia telecomandada somos mordidos violentamente e quase em simultâneo, parecia uma descarga eléctrica.
A aflição instalou-se, foi necessário tirar as roupas para aliviar as dolorosas ferroadas e retirar as formigas, uma a uma, que teimavam sempre em continuar agarradas à carne quando as arrancamos.
Normalmente, o corpo da formiga sai bem mas o conjunto da cabeça e as mandíbulas, é que continua no nosso corpo com as pinças pontiagudas cravadas.

 

 

A noite da fuga de dois carregadores quando numa operação junto ao rio Cassai nos deslocámos para um local que lhes causava medo.
Nunca imaginei a fuga de alguém em plena mata, mas também não fiquei admirado com o acontecimento.
Já me tinha apercebido que os carregadores andavam nervosos com o itinerário, faziam de tudo para o evitar, diziam-se doentes, sem forças, e que estavam em lugares de feitiço.


Acabou por ficar o carregador principal, o Sá Moço e mesmo assim com muitas dores de dentes.
Devido às fugas, não acreditámos nas suas queixas e como julgávamos que era um outro esquema manhoso o enfermeiro deu-lhe um comprimido laxativo.
No dia seguinte, perguntei: - Então Sá Moço? – Cá, os barriga! O pessoal ria-se com a maldade e perguntavam-lhe: - Sá Moço, vai mais um comprimido?

Enfim, hoje ainda tenho remorsos, porque também colaborei.
 

Em conclusão, o bom do Sá Moço tinha mesmo dores de dentes, que, imagino, deveriam ser muito intensas.

Para se livrar daquele tormento meteu na boca uma rudimentar faca e arrancou, assim sem mais nem menos, e pela raiz, um grande dente cariado.
Foi uma grande lição.
 

(a seguir - Uma jiboia e o ataque do Buda)

 

publicado por Alto Chicapa às 15:16

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Domingo, 2 de Novembro de 2008

47- Perdidos na mata

(continuação de 46- Formigas térmites e duas matacanhas)

 

Nas 79 operações e patrulhamentos que o 1º grupo de combate realizou, onde não houve mortes, feridos ou acidentados, conhecemos dificuldades e muitas contrariedades, mas a sorte nunca nos abandonou porque fomos sempre audazes, disciplinados e prudentes.


Restaram, para recordar, algumas situações curiosas, como por exemplo:


O dia em que me perdi na mata.

Quando decorria a nossa terceira operação, sem saber bem como, em determinado momento deixei de ter locais para referência, o mapa não conseguia ajudar, os carregadores só queriam voltar para trás, e não havia meio de se encontrar um trilho ou um simples regato.
À nossa volta, havia um denso e alto arvoredo e um terreno arenoso sem vegetação rasteira e água. Nunca consegui encontrar uma explicação para o que nos aconteceu.
Ao quinto dia já andávamos a comer ração de combate a meias, algumas folhas e umas frutas parecidas com laranjas.
Ao sexto dia, sem comida e com alguns raspanetes do capitão via rádio, lá conseguimos chegar a um pequeno curso de água que nos orientou e nos permitiu após uma longa caminhada chegar à picada de Luma-Cassai.
Com as coordenadas certas solicitei a recolha do grupo.

Em conclusão, fomos recolhidos em estado miserável e esfomeados ao princípio da tarde do sétimo dia, sem uma única resposta às nossas mensagens via rádio.
A fome e a falta de cigarros, para alguns, foi uma experiência horrível.
Quando chegámos ao quartel as palavras de conforto e de ânimo que estavamos à espera foram substituídas pela seguinte frase:

- Daqui a três dias vai novamente para a mata!
Foram momentos de desconforto, talvez piores do que uma emboscada do IN, mas já estava habituado a tudo e facilmente encarava as situações difíceis como desafios.

 

A operação entre dois rios, o Cuilo e o Luchico, onde o meu cão Buda desapareceu durante dois dias.

Foram momentos muito difíceis e intrigantes.

Temíamos o pior, pensávamos que podia ter sido comido por uma onça, mordido por uma cobra ou ter caído numa armadilha, enfim, só de me lembrar, fico arrepiado.
Tudo fizemos para o encontrar, alterámos o esquema da operação, os itinerários, retardámos os nossos movimentos, parámos e deixávamos bem expostos uma quantidade de cheiros e materiais, que ele muito bem conhecia.
Tudo parecia terrível e angustiante, mas era uma situação que mais dia, menos dia eu imaginava que pudesse acontecer.
Ao cair da tarde, íamos para a segunda noite de angústia, o Teixeira que estava numa sentinela mais avançada deu um sinal de alerta e de perigo, parecia que alguém vinha a rastejar. Movimentamo-nos em auto defesa, mas acto contínuo houve-se o Novo e o Canelas a gritarem: - Calma pessoal, pessoal é o Buda, é o Buda. Buda, vem!
Logo que ouviu o seu nome levantou-se, avançou e demonstrou todo o seu contentamento. Parecia muito cansado e magro, mas a sua felicidade era enorme. Nós, entre festejos e algumas lágrimas de contentamento também tínhamos saído de um pesadelo.
 

(a seguir - formigas quissongo e a fuga dos carregadores)

 

publicado por Alto Chicapa às 10:36

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