Quarta-feira, 29 de Outubro de 2008

46- Formigas térmites e duas matacanhas

(continuação de 45- Operação "Pato 7212", sexto dia)

 

Das 79 operações e patrulhamentos que o 1º grupo de combate realizou, onde não houve mortes, feridos ou acidentados, recordo meia dúzia de situações curiosas, como por exemplo:

  • O dia do ataque das formigas térmites, que durante uma noite comeram silenciosamente parte do meu pano de chão, um pouco das minhas calças, os elásticos das cuecas (uma espécie de boxers à antiga) e o fundo do meu saco mochila.
  • O dia em que soube que tinha duas matacanhas no pé direito, uma no calcanhar, quase do tamanho de uma ervilha, e outra muito mais pequena debaixo da unha do dedo grande. A matacanha é uma espécie de pulga penetrante. Naquela época, os nativos eram os únicos e os verdadeiros médicos especialistas no tratamento destes parasitas. Um pouco a medo, lá mostrei o meu pé a um indivíduo da sanzala que confirmou que eu tinha dois ninhos de matacanha. Fez uma pequena intervenção cirúrgica com um rudimentar pau muito bem afiado na ponta e desinfectado a fogo. Com muito jeito, tirou uns sacos sem os romper. Continham, o respectivo animal e umas centenas de ovos. Para a posteridade ficaram apenas dois pequenos orifícios no pé, sob a camada da pele, sem nunca chegarem a sangrar. No final, encheu os buracos com cinza retirada de uma fogueira. Posteriormente, com a ajuda do enfermeiro Luís e do Dr. Vila Verde os ninhos sararam em pouco tempo.
  •  

(a seguir - Perdidos na mata)

 

 

 

publicado por Alto Chicapa às 14:33

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Segunda-feira, 27 de Outubro de 2008

45- Operação "Pato 7212", sexto dia

(continuação de 44- Operação "Pato 7212", quarto e quinto dia)

 

Ao sexto dia, pelas treze horas, chegámos ao ponto de recolha numa zona plana e de vegetação dispersa.

 

Patrulhámos em círculo a área envolvente e avançávamos o máximo possível ao longo da picada.

 

 

O deserto humano e a ausência de vestígios mantinham-se.

 

Tal como tinha acontecido na largada, a recolha era feita por três ou quatro Unimogues ou por uma Berliet e dois Unimogues e mais cinco militares para protecção às viaturas.

 

Sentia-me muito à vontade e sem medo em plena selva africana, inclusive até conseguia compensar alguma alimentação enlatada por outro tipo de alimentos mais frescos e calóricos, mas as deslocações na picada alteravam de forma inexplicável o meu estado de anímico e eram o momento que mais temia.


A estadia na mata transformava a nossa aparência. Ficávamos irreconhecíveis, mal cheirosos, a barba por fazer, cansados, mal alimentados e carentes de um sono descansado numa cama.
Quando estávamos integrados no grupo e a conviver diariamente não se prestava atenção à transformação, íamo-nos habituando à degradação progressiva da nossa imagem, e só dávamos conta dos estragos reais quando regressados ao quartel íamos a um espelho.
 

(a seguir - formigas térmitas e duas matacanhas)

 

publicado por Alto Chicapa às 09:55

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Quinta-feira, 23 de Outubro de 2008

44- Operação "Pato 7212", quarto e quinto dia

(continuação de 43- Operação "Pato 7212", segundo e terceiro dia)

 

O quarto e o quinto dias foram os melhores. Sossego absoluto.


Se não estivéssemos em guerra, diria que tinha sido um percurso turístico, tanta era a beleza da região. Andámos durante toda a manhã sob um sol escaldante e compensávamos o intenso calor com travessias refrescantes dos pequenos afluentes do rio Cuango. A vegetação, era, geralmente, muito densa e de difícil penetração o que nos permitia encontrar locais seguros e muito propícios para recuperar as forças e passar o resto do dia e a noite.

 


Foi nestes dois dias que os meus olhos viram as melhores imagens da selva africana, e que nenhuma máquina fotográfica daquela época poderia mostrar completamente.

 


Num local, onde o leito do rio e o caudal aumentavam substancialmente e o manso murmúrio da água corrente contrastava com umas impressionantes quedas de água, vi plantas até aqui nunca vistas, árvores de grande porte, frutos desconhecidos e muita vegetação a transformar o chão num imenso e garrido tapete verde.

 

 

Também vi, peixes bem junto à margem, sem medo algum dos humanos e imensos peixinhos pequeninos muito coloridos, que pensava só existirem em aquários.

 

Para além do rugido dos leões, fomos ainda contemplados com três elefantes num trajecto muito lento e elegante, de uma onça a fugir, de uma grande família de javalis, de bandos de macacos cão muito agressivos, grandes cágados, ratos voadores com uma membrana entre a pata dianteira e traseira que lhes dava a capacidade de planarem do topo das árvores até à base de outra, voltavam a trepar e a planar, uma grande cobra e inúmeras cabras do mato, uma espécie animal muito abundante na região, que era mais uma espécie de gazela cuja estatura seria um pouco maior do que a das cabras na metrópole.


Era uma região idílica, onde reinava uma paz de espírito repousante e que convidava ao sonho.

 


O levantamento do acampamento era feito muitas vezes ainda sem sol, desmontávamos os panos das tendas, arrumávamos os sacos mochilas e disfarçávamos os vestígios da nossa presença. As latas vazias e o lixo era colocado num buraco, coberto com terra e folhas.

 

Era uma atitude que só nos convencia a nós, era do tipo gato escondido com rabo de fora, porque nunca era possível repor imediatamente o aspecto natural do local ou eliminar totalmente os vestígios deixados e as clareiras abertas pelo nosso calcar na vegetação.
 

(a seguir - Operação "Pato 7212", sexto dia)

 

publicado por Alto Chicapa às 11:41

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Terça-feira, 21 de Outubro de 2008

43- Operação “Pato 7212”, segundo e terceiro dia

(continuação de 42- Operação “Pato 7212”, primeiro dia)

 

No segundo dia, antes das horas de maior calor, andámos apenas meia dúzia de quilómetros.

 

 

Seguimos um pouco para sul, sem deixar qualquer indicação que o nosso verdadeiro trajecto era para oeste.

 

Ficámos perto de uma linha de água onde se tomou um banho refrescante.

 

A noite, passamo-la sem sobressaltos de maior, mas na companhia de um ou mais leões e dos seus longos rugidos. O chão até tremia.


O terceiro dia, foi bem diferente. Saímos folgados, mal começou a clarear. Progredimos, o máximo que nos foi possível, uns bons quilómetros em direcção à margem esquerda do rio Cuango.

 

Lembro-me que contrariei o plano da operação, optando pela margem esquerda, hoje não sei os verdadeiros motivos, mas naquela época, penso ter entendido que era a melhor estratégia.


Durante o percurso, tivemos o cuidado de vermos atentamente por onde íamos e de procurar vestígios. O que encontrávamos era antigo e irrelevante. As lavras estavam abandonadas, os trilhos não eram usados e a ausência de população era uma realidade.

 

Mesmo assim, estávamos perto, de uma, das conhecidas e consentidas zonas de acantonamento da UNITA, entre o Munhango e o Cassai.


Felizmente, apenas constatámos e colhemos os louros do trabalho desenvolvido, em meados de 1972, pela operação Rojão IH e pela intervenção do Agrupamento de Comandos, Raio (companhias 31, 33 e 37).
 

(a seguir - Operação “Pato 7212”, quarto e quinto dia)

 

publicado por Alto Chicapa às 14:33

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Domingo, 19 de Outubro de 2008

42- Operação "Pato 7212", primeiro dia

(continuação de 41- Os preparativos da operação "Pato 7212")


No primeiro dia, começámos por chegar ao local da largada, por volta das seis horas.

 

Depois de reconhecido o local, seguimos, em coluna, na direcção do primeiro objectivo ao longo de um antigo trilho.

 


Os carregadores desta operação (pagos pelo exército), eram três homens nativos da aldeia de Samuge. Um, com mais de 40 anos, o Sá Moço, o carregador de todas as minhas operações, em quem eu sempre confiei, e outros dois, que nunca eram os mesmos das operações anteriores, aparentavam ser muito jovens.


À frente, ia o meu cão Buda, um pastor alemão, muito desejado por todos e que actuava melhor do que um pisteiro da mata, num frenético vai e vem.

 

 

Logo a seguir, com distâncias de dois a três metros entre cada homem, ia o Freitas (quase sempre o primeiro), o Nuno, e eu, seguidos pelo restante pessoal. Entre cada furriel havia uma secção. Os carregadores eram espalhados aleatoriamente ao longo da coluna.


A progressão inicial fez-se com relativa facilidade até entrarmos na zona de floresta densa, precisamente uma das áreas assinaladas como de contacto iminente.


Estávamos próximos da nascente do rio Cassai, o nosso primeiro objectivo.


Saímos do trilho e passámos a caminhar em zonas de vegetação mais densa, com alguns movimentos de diversão e muitas vezes com a necessidade de abertura de caminhos.


Sabia que estávamos nas proximidades da zona do 3º batalhão da FNLA, de onde foram afastados em Julho de 1972, cerca de 70 guerrilheiros bem armados, em consequência da operação Rojão IH.
Neste tipo de locais onde a probabilidade de contacto com o IN era maior, os carregadores ficavam muito nervosos e medrosos e os mais inexperientes chegavam mesmo a fugir como nos aconteceu numa operação realizada entre um afluente do rio Chicapa e a nascente do rio Chiume.


Parámos ao princípio da tarde numa zona limítrofe da densa vegetação, muito próximo de uma linha de água que parecia ser suficiente para o nosso abastecimento.


Não havia vestígios de passagem de humanos.

Após tantas horas de marcha, tudo indicava que era o sítio certo para recuperar forças e para pernoitar.
 

Chamei o Sá Moço e perguntei-lhe:
- É bom?
- É bom mesmo, não tem turra!

 

O Sá Moço era uma força da natureza, que fiquei a admirar para o resto da minha vida. Nunca conheci ninguém assim. Não era um homem muito falador, mas percebia um pouco da nossa língua. Era honesto, amigo quanto baste, respeitador, inteligente e auto-suficiente.
Um autêntico sobrevivente.

 

Nunca precisou, de usar:

  • Fósforos ou isqueiro. Usava pauzinhos de fricção e uns fios de madeira parecidos com a corda de sisal;
  • Cordas. Encontrava-as em lianas e cascas de árvores;
  • Tenda. Criava os seus próprios abrigos com os materiais existentes no local;
  • Remédios. Encontrava-os entre folhas, raízes e cascas de árvore;
  • Sabão. Substituía-o por folhas e uma espécie de argila;
  • Escova de dentes. Usava um pequeno pau, que até deixava os dentes brancos;
  • Ração de combate. Encontrava tudo na mata, folhas, frutos, cogumelos, cágados, cobras, ratos, gafanhotos, formigas; e
  • Mapa de orientação. Conseguia orientar-se com quase tudo, inclusive com a estrutura do solo, e ainda, uma coisa incrível, com o voo de alguns pássaros.

Tinha sempre uma forma muito particular de estar. Reagia imediatamente às situações mais complicadas como um autêntico senhor e contava histórias inacreditáveis. Na mata, ao lado deste homem, eu era, apenas, um dependente de uma sociedade que nunca ensinou ninguém a sobreviver quando faltam certas mordomias.


Colocámos as sentinelas dois a dois, por períodos curtos. Limpámos a área e montámos com os panos de tenda um pequeno acampamento. Acordámos que, não faríamos fogo com fumo, evitávamos as conversas com barulho e não chamávamos o cão Buda.

 

 

Decidimos, que de manhã, iríamos bater a margem direita em círculo, mudar para lá o acampamento, ficar mais um dia e estar atentos a algum movimento no anterior local.


Hoje, estou convencido, com o vento a favor, se houvesse turras nas redondezas viriam a correr ter connosco, porque o cheiro a comida, das nossas latas da ração de combate depois de aquecidas, deveria espalhar-se por uma vasta área.
Lembrei-me da fuba a secar nas aldeias, uns bons quilómetros antes, já cheirava.


O Hamilton era o nosso, e impecável homem das transmissões. Nunca se esquecia das suas obrigações. Apenas gaguejava quando lhe aparecia o capitão em linha, e de tal forma ficava nervoso que nem a cantar conseguia falar. Francamente, poucas vezes me preocupei com este tipo de liderança imposta pelo medo.

 

Lembro-me do dia em que o Hamilton estava de serviço à porta de armas do quartel.

Quando passei, com a minha mulher, disse-me:
– Alferes, tenho aqui chouriço do puto.
Fazia o gesto, a abanar a mão direita metida nas calças e a agarrar um grande enchumaço. Fiquei meio atrapalhado com o gesto, mas também foi com espanto que o vi tirar do bolso uma grande chouriça.
– Alferes foi a minha mãe que enviou lá da terra, esta é para si.
 

Depois de um longo e nervoso dia numa região que tinha sido o refúgio da FNLA, até meados de 1972, descansei, como nunca, sobre um montão de folhas secas e na companhia de um cão que parecia nunca dormir.
 

Mesmo com muito frio, a noite passou-se bem.
 

(a seguir - Operação "Pato7212", segundo e terceiro dia)

 

publicado por Alto Chicapa às 12:45

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Quinta-feira, 16 de Outubro de 2008

41- Os preparativos da operação “Pato 7212”

(continuação de 40- Calejamento dos grupos de combate)


Calharam-me seis dias na mata com o meu grupo de combate na operação “Pato 7212”.

  • Ordem: Patrulhamento ofensivo, para identificação, detecção e divulgação de grupos IN, preparar e colaborar na sua perseguição, captura ou aniquilamento, recuperar população e destruição de meios de vida do IN.
  • Largada: Picada Alto Chicapa / Luma-Cassai junto ao rio Cassai.
  • Recolha: Picada Alto Chicapa / Cuango junto ao rio Cuango.
  • Região: Margem esquerda do rio Cassai até à sua nascente e margem direita do rio Cuango desde a sua nascente até ao cruzamento com a picada (ponto de recolha).
  • Duração: De 04 de Dezembro de 1972 às 05,00horas, até às 16,30 horas do dia 09.
  • Meios: Um grupo de combate com 17 homens, um cão, espingardas G3 e 100 munições / homem, algumas granadas de mão defensivas e 03 nativos / carregadores vindos da aldeia de Samuge.
  • Distância: 46 quilómetros (ponto de largada / ponto de recolha).

Na véspera de todas as operações, era meu hábito, reler os aerogramas particulares que me chegavam de Luanda com alguns destaques sobre a actividade do IN, ler a documentação oficial que recomendava a saída para a mata, e estudar, anotar e segmentar o percurso numa carta topográfica da região.


Ao jantar, alguns soldados questionaram-me sobre a saída de seis dias, em vez de cinco, e a razão de irmos para o rio Cassai com poucos homens, para uma zona tão perigosa.


Um condutor também me abordou sobre a saída.

– Então alferes, amanhã lá vão dar um passeio até ao Cassai!


Pensei: - Se toda esta gente na Companhia, sabe com antecedência aquilo que vamos fazer, também os carregadores e os turras o devem saber. Arriscamo-nos a ter alguma surpresa desagradável.


Falei com capitão sobre esta falta de confidencialidade, e a atenção que a zona merecia. 

 

Mesmo assim, com o ar mais inocente do mundo, garantiu-me:
- Ninguém sabe da operação.
- Só eu é que sei a zona para onde vão e como a área da nossa Companhia é um território quase tão grande como o Alentejo, o risco é mínimo.
- O que dizem, é coisa que não me tira o sono.
- Até pensei que me ia dizer alguma coisa importante ou mais séria!
- Ainda lhe digo mais, mesmo o saber-se que vai haver, uma operação, não é um factor de insegurança é uma vantagem a nosso favor.
- O inimigo pensa sempre duas vezes antes de se aventurar no nosso território ...


Achei que não valia a pena continuar a participar naquele monólogo, estava a … sentir-me muuuito buuurro!


Mesmo assim, já feito burro, ainda argumentei:
- O pior, é se eles pensam quatro vezes e ficam à nossa espera prontos para as boas-vindas?


Encolhi os ombros e aceitei aqueles argumentos, afinal era uma teoria como qualquer outra.


Durante a noite trovejou e relampejou violentamente.

 

Porém ao início da operação sentia-se que o calor aumentava gradualmente de intensidade e as chuvas caíam algures mais para norte do local onde tínhamos sido largados.

O cheiro a terra molhada, era muito agradável e representava o rejuvenescimento da vida das plantas, dos animais e a força da natureza.


Dizia-me um soldado:

- Alferes Santos, a mata é muito agradável mas também transmite medo. Não se houve nada à nossa passagem, nem um ronco de um animal, nem um piar de um pássaro.
 

Tal como previra, a zona por onde andei, durante seis dias no meio de uma mata densa e em alguns locais de difícil penetração, numa área junto aos rios Cassai e Cuango, era uma zona, vizinha do acantonamento da UNITA (estávamos em pacto de não agressão) e da passagem do MPLA e FNLA para o norte de Angola (a maioria tinha regressado às bases na Zâmbia e no Zaire).
 

(a seguir - Operação "Pato 7212", primeiro dia)

publicado por Alto Chicapa às 15:32

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Terça-feira, 14 de Outubro de 2008

40- Calejamento dos grupos de combate.

(continuação de 39- Chuva diluviana)

 

A nossa companhia após o calejamento dos grupos de combate, já habituados às dificuldades da mata, e às possíveis tácticas do IN (inimigo), desenvolvia a actividade operacional para áreas de intervenção militar, enquadradas pelos rios, Cassai, Cuango, Cuango-Mugué, Cumbi, Cucumbi, Cuilo, Luchico, Chicapa, Luchace, Luachima e Chiumbe, e incrementava o apoio social junto das populações, a partir da própria companhia no Alto Chicapa, de um destacamento na aldeia de Cambatxilonda e, na parte final da comissão, com um novo destacamento na aldeia de António Cavula.


As operações que realizámos nas matas e nos rios do Alto Chicapa, eram alternadas de cinco em cinco dias, mata / quartel, ou eventualmente de seis dias, mas eram quase sempre iguais e até o medo das minas durante o trajecto para a largada ou na recolha se mantinha, no entanto, conforme os locais, mudava a vegetação, o estado do tempo, as nossas dificuldades e uma ou outra peripécia.
 

(a seguir - Os preparativos da operação “Pato 7212")

 

publicado por Alto Chicapa às 11:57

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Domingo, 12 de Outubro de 2008

39- Chuva diluviana

(continuação de 38- Missão humanitária)

 

Estava no meu quarto a ler um livro, A Selva, de Ferreira de Castro, e a ouvir música gravada, quando a luz do gerador desapareceu após um valente relâmpago.


A escuridão da noite, a violência da trovoada, mesmo por cima de nós, o abanar do chão e a infernal barulheira da chuva diluviana sobre as chapas de zinco deixava o mais pacato a pensar.


A meio da manhã, ainda debaixo de chuva, com um céu muito cinzento e carregado de nuvens escuras, recebemos a informação de que a região continuaria até ao fim da tarde sob um violento temporal.

 


Foram horas e horas de trovoada e de chuva persistente.


Nunca tinha visto nada assim. Em qualquer cidade seria uma catástrofe.


Toda a área do aquartelamento ficou transformada num enorme pantanal, as picadas cortadas em vários sítios, pontes destruídas e a pista do avião interdita. Este dilúvio também nos deixou mais pobres. Ficamos sem o abastecimento semanal de frescos  e o correio, tão desejado.


Tirando as rotinas normais de um quartel no meio da mata, passámos parte do tempo à conversa, a jogar, a ler ou a escrever.
 

publicado por Alto Chicapa às 12:02

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Quinta-feira, 9 de Outubro de 2008

38- Missão humanitária

(continuação de 37- Primeiro passeio pelo exterior)

 

A minha primeira saída em missão, foi humanitária. Aconteceu ao princípio de uma noite do mês de Outubro de 1972, mas de um dia que já não consigo identificar no calendário.


Um homem da aldeia de Samuchima solicitou ao comandante de companhia ajuda urgente para socorrermos uma mulher que estava em trabalho de parto há demasiado tempo, no meio de grande sofrimento e preocupação dos familiares.


Fui num jipe Williams bem velhinho na companhia de um condutor e do enfermeiro Luís.

 


Pelo caminho o enfermeiro Luís dizia que nunca tinha feito ou ajudado num parto nem tinha material próprio. Perguntei-lhe: - E porquê um alferes miliciano de minas e armadilhas?


Mesmo assim, senti-me na obrigação de tentar o melhor, com a ajuda e os conhecimentos do enfermeiro, e assistir pela primeira vez na minha vida a um parto natural, sem condições de higiene e conforto.

 


Quando chegámos, já era noite escura, e o ambiente não era nada simpático.

 

Tudo estava a acontecer numa palhota pequena de chão térreo, em cima de uma esteira e à luz de um escuro candeeiro de petróleo.

 

Havia muitas mulheres de volta em grande ladainha. O pai da criança já tinha fugido com medo das represálias da família da mulher.


- Luís, acho que só fomos chamados para aqui em desespero de causa.
- Bem, temos que fazer alguma coisa para melhorar isto!
- Vou pedir para que estas mulheres se afastem um pouco e com os faróis do Jipe, junto à porta, vai haver mais luz lá para dentro.
 

O Luís tomou a iniciativa e dirigiu-se à jovem parturiente. Vendo que no local havia cinza, terra e excremento de cabra espalhados, solicitou a duas mulheres que estavam com ela um pouco mais de limpeza no local e tratou de a desinfectar o melhor possível.
Com os dedos das mãos, (não havia luvas) tentámos “alargar e abrir espaço” para a criança nascer com mais facilidade. Mas tudo correu mal, mesmo com a muita coragem daquela mãe.
 

Aquele filho não queria nascer.
 

- Luís, na faculdade falava-se em partos provocados com soro, vamos tentar?
- Pela manhã logo se vêm os resultados!
 

Informei o chefe da aldeia e as mulheres das nossas intenções, do regresso ao quartel e do que estava feito. Pedi, para ajudarem a futura mãe numa situação grave ou quando a criança estivesse mesmo para nascer.


No povo quioco, logo que uma mulher sente os primeiros sintomas do parto, pede à mãe ou a outra mulher da família que chame a parteira (tchifungudji) e todas as mulheres que já tiveram filhos, para que auxiliem em tudo o que for necessário.
Os homens, as crianças e ainda as mulheres que tiveram relações sexuais no dia anterior não podiam assistir ao parto.


A parturiente senta-se numa esteira costas com costas com uma outra mulher, a ajudante, que lhe entrelaça os braços prendendo-a contra si. A parteira fica sentada em frente a dar continuadamente instruções.


Conforme me contaram, depois do nascimento, mais ninguém pode mexer na criança, só a ajudante e a parteira lhe podem pegar. Cortam e atam o cordão umbilical, lavam-na em água morna e entregam-na definitivamente à mãe. Esta recebe um copo de água para beber e borrifar o filho, dizendo, mais ou menos isto, para que fiques bonito e forte. No dia seguinte, há uma espécie de baptismo imunizante, que é feito por todas as crianças da aldeia com raízes, que esfregam na criança, afastando assim todos os feitiços e os males. É a partir deste momento que qualquer outra mulher poderá pegar na criança (continuam a ficar de fora as mulheres com relações sexuais efectuadas no dia anterior, porque são consideradas impuras).


Ao terceiro dia, é feriado na aldeia e dia de festa. A parturiente lava-se no rio, na altura mais quente do dia, pedindo à água que lhe dê forças e frescura. É neste dia que o pai dá um nome ao filho. O nome pode ser o de um seu antepassado, de um amigo ainda vivo, ou de um acontecimento importante que se tenha passado no dia do nascimento. Além do nome dado pelo pai ainda pode ter outro dado pela mãe, pela família desta ou pelo chefe da aldeia.
Logo que o filho recebe o nome, os pais acrescentam ao seu, o do filho, precedido de Sá, no pai, e de Ná, na mãe.
No entanto, só no acto da circuncisão, nos rapazes, ou da iniciação, nas raparigas, é que o verdadeiro nome do indivíduo será escolhido.
 

De manhã cedo quando chegámos à aldeia a criança já cá estava fora e com o cordão umbilical cortado pela parteira. Era um rapaz. Ficámos contentes com a nossa sorte e com o fim feliz daquela mãe.


O miúdo ficou a chamar-se Carlos Nosalferes.
 

 

Éramos jovens e culturalmente muito diferentes daquele povo, mas iguais perante o sentimento simples de ver nascer uma criança.


Aprendi, que nascemos iguais e até com a mesma cor, e que as dores de uma mãe são as mesmas, e que a aflição e o sucesso de um parto são suficientes para esquecer ódios ou guerras.
 

publicado por Alto Chicapa às 10:41

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Domingo, 5 de Outubro de 2008

37- Primeiro passeio pelo exterior

(continuação de 36- O nosso aquartelamento)


No primeiro passeio que dei no exterior do quartel cruzei-me com um jovem, bem apresentado, talvez acima do normal para aquele meio. Tinha vindo buscar um papel com uma autorização do chefe de posto para poder transitar na mata.

 


Era um procedimento mais ou menos habitual nesta zona, mas o que me chamou a atenção era o que ele estava a fazer, a tratar da higiene oral, com um pequeno pau.


Não tinha água nem a nossa pasta dentífrica.


Este homem tinha uma fiada de magníficos dentes de esmalte branco, perfeitos, que contrastavam com a pele escura da cara. O pau que fazia de escova, com um comprimento mais ao menos de um pequeno lápis, tinha uma das extremidades afiada, para limpeza das cavidades e entre os dentes, e na outra extremidade, uma autêntica escova, constituída pelas fibras soltas da própria madeira que friccionava nos dentes.


Arranjei um pretexto para meter conversa e transmiti-lhe a minha ignorância, a surpresa e o espanto. Acho que se sentiu confiante. Ficou comunicativo e até me pareceu que se esbateram algumas barreiras sociais. Falava o português, bem melhor do que eu estava à espera.

 

Contou-me a história da escova de dentes, a razão da visita a uns familiares na sanzala do Cucumbi, a sua posição como professor / monitor na região, pago pelo estado português, e ainda a sua descendência de um antigo chefe de aldeia, quando ainda os havia com muita influência, dizia.


Ficámos amigos, quase verdadeiros, do tipo instantâneo.

 

Penso que foram as diferenças sociais que nos ligaram ao essencial. Nunca esperámos nada um do outro, apenas o privilégio de beber umas cervejas ao sábado na loja do Sr. Capela e estar à conversa pela noite dentro.

 

O P. (não é P. de professor) nunca me questionou sobre a nossa actividade militar em Angola, mas gostava de saber coisas de Portugal e em especial do meu envolvimento na vida académica em Lisboa. Tudo lhe contei sem omissões, inclusive a minha posição perante a política e aquela guerra. Em dado momento, já com meia dúzia de cervejas saboreadas, confidenciou-me que tinha um sonho, se um dia fosse para Portugal, ia perder-se de amores por uma mulher branca, mas peluda.


Passados alguns dias, encontrei-o em plenas funções, na sua escola, na Sanzala do Camachilonda onde me fez contar uma história, das de Portugal, daquelas para miúdos (contei a história da padeira de Aljubarrota, que não era bem para miúdos, mas adoraram) e uns meses depois em António Cavula, onde estava um seu familiar com a categoria de monitor, embora também fosse um misto de professor e enfermeiro, fez-me repetir a história.


Ao longo deste documento vou contar como, em Fevereiro de 1974, este amigo me mostrou porque era verdadeiro, a forma como de forma desinteressada ajudou o meu grupo de combate ou me protegeu nas minhas viagens solitárias, do Alto Chicapa ao nosso destacamento de António Cavula e vice-versa.


Nessa data, já sabia que o P. e o primo estavam próximos do MPLA e que a população maioritariamente apoiante da UNITA, tinha familiares guerrilheiros. Entre os mais velhos também havia alguns simpatizantes da FNLA.


Ele e o primo, foram amigos verdadeiros, e para toda a vida, que deixei e não voltei a ver, no entanto aparecem assim, acidentalmente tirados do fundo de uma qualquer gaveta ou da minha memória onde estão arquivados, à luz do mais genuíno e feliz dos meus dias nas relações entre as pessoas.
 

publicado por Alto Chicapa às 10:25

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Sexta-feira, 3 de Outubro de 2008

36- O nosso aquartelamento

(continuação de 35- As sentinelas)

 

O nosso novo aquartelamento, embora não fosse um modelo de virtudes, era, mesmo assim, muito agradável. As instalações eram amplas e funcionais.
 

Havia duas portas de armas, uma virada a leste e a outra a oeste e um amplo espaço, onde se incluía uma parada muito limpa.

 

 

Do lado esquerdo, havia uma casa com os quartos dos dois sargentos, o bar de oficiais, sargentos e furriéis, um acanhado posto de transmissões e de cripto, um forno de padeiro, a casa com os quartos dos oficiais, a messe de oficiais, sargentos e furriéis, uma cozinha rudimentar de aspecto pouco limpo ou agradável, o refeitório dos soldados, bastante gorduroso, nada confortável e apenas coberto por chapas de zinco, o depósito dos géneros alimentares onde havia frigoríficos a funcionar a petróleo, uma cantina, uma caserna pré-fabricada dormitório dos soldados, uma casa coberta de colmo que servia para trabalhos diversos, um gerador de electricidade, a oficina e o parque das viaturas, um paiol (de más recordações para os camaradas que lá estiveram presos), um local com gasolina para helicópteros, um posto de enfermagem e o posto de vigia.

 

 

No lado oposto, havia um posto de vigia, a secretaria, um pré-fabricado dormitório dos furriéis, as casernas dormitório dos soldados em edifícios pré-fabricados, que não deviam ter mais do que três anos e umas acanhadas casas de banho.


Para além destes equipamentos, ainda tínhamos uma pista em terra batida para pequenos aviões, um campo de futebol, um campo de voleibol, uma plantação de abacaxis e um pouco mais tarde uma piscina.

 


Era um local agradável, a 1240 metros de altitude, com muito verde, água e largos horizontes.


Fora do quartel, a diminuta localidade e a comunidade civil faziam lembrar em alguns pormenores a época colonial dos anos 50. A antiga casa do administrador de posto, que estava desabitada, era uma construção, segundo creio, dos começos do século, com planta quadrada, com uma boa área coberta, que a protege das fortes chuvadas e fornece um bom local de permanência, nas horas de calor. Nas traseiras havia um grande cercado com duas frondosas mangueiras.

 

 

Em pleno interior de África e sem estradas, era um oásis e um luxo que poucos tinham na metrópole.


O clima, que era excelente, era menos quente do que em Sacassange e tinha também muitas semelhanças com o da metrópole.

publicado por Alto Chicapa às 12:58

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Quarta-feira, 1 de Outubro de 2008

35- As sentinelas

(continuação de 34- Alto Chicapa)

 


 

Este texto contém algumas frases que são impróprias, para menores ou pessoas sensíveis.

 

Voltando às noites, que eram normalmente muito escuras, mas onde se via tudo, reparei que à distância de centena e meia de metros havia uma sentinela a fumar no alto da vigia. Via-se perfeitamente o momento em que estava a puxar uma fumaça e a ponta do cigarro mais brilhante, tão brilhante que dava para adivinhar os contornos da cara.
 

Aproximei-me, e disse-lhe:
- Ouve lá, oh B.!
- Queres ir encaixotado para Trás-os-Montes?
- Os turras abrem-te dois buracos na cabeça, um à frente e o outro atrás!
- És um autêntico anjinho, ao menos respeita os outros e a segurança quando estás de sentinela!
Na manhã seguinte, o rapaz encheu-se de razões e como não gostou nada daquela chamada de atenção foi queixar-se ao alferes responsável pelo seu grupo de combate que acabou por se zangar e ainda afirmou com ares de ofendido que ali quem mandava era ele.


Uma outra vez, encontrei as sentinelas a jogar às cartas. Disse-lhes qualquer coisa, que não me recordo, e rasguei-lhes as cartas. Zangaram-se como era obvio, devolveram-me ameaças, mas ignorei-as, e deixei-os orgulhosamente sós.


Ainda, uma outra vez, mas esta foi muito penosa para mim, não sei os motivos do meu desgosto naquele momento, sei que fiquei arrependido de o ter feito. Enquanto o moço dormia profundamente e na paz dos anjos, levei-lhe a arma para o meu quarto. Hoje, tenho a certeza que o deveria ter acordado. Concretamente, não conhecia a vida do rapaz nem os seus problemas, só sabia que pertencia ao pelotão do alferes C. De manhã, apareceu no meu quarto. Garantiu-me que tinha apanhado um valente susto e uma grande lição. Recebi dele provas de um grande carácter e uma grande lição de humildade. Onde estiveres, bem hajas.

 

Finalmente, um outro caso, este por volta das 4 horas da manhã (quase dia em África), com um elemento do meu grupo de combate.
- Então A. que se passa?
- Alferes não diga nada ao Capitão, só estava a esgalhar uma pívia à maneira.
- Isso, eu vi, cheguei até aqui, nem davas por mim, os outros levavam-te ao colo.
- Oh meu alferes, peço desculpa, estava a olhar para a loiraça do calendário e comecei a lembrar-me daquela moça “explosiva” do cinema em Henrique de Carvalho, moreninha, calças justas, um valente papo e um par de mamas sem sutiã a quererem saltar para fora da camiseta.
- Dava-lhe cá uma martelada e enterrava-a até aos tomates e tenho a certeza de que ela se rebolaria a pedir mais.
- Repara A., o capitão não é para aqui chamado e também percebi o motivo do teu desatino, mas podemos levar com uns balázios se não estiveres atento e compreende que estávamos todos a confiar em ti.
- Alferes, tem toda a razão, somos amigos e não volta acontecer, mas acredite …, para mim, aquela mulher é só cona!


O que acabei de relatar, foram casos isolados e não aconteciam com muita frequência, como eventualmente poderá parecer nesta narrativa.

 

Pelo contrário, com a velhice, com o isolamento do posto de vigilância e com alguns momentos de arrepio, a sentinela já impunha a si própria uma auto defesa intermédia e interessante, colocava pequenas e engenhosas armadilhas, até criava um ponto de diversão que tornava o intruso em alvo fácil, ou pedia a ajuda de um amigo para colaborar no serviço.


Não estou arrependido de ter estado naquela tropa.

 

Valeu a pena viver aqueles momentos e ver a camaradagem de muitos e dos soldados que estavam sempre voluntários para tudo, mesmo vivendo em condições menores e com muito pouco dinheiro.
 

publicado por Alto Chicapa às 13:39

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