Segunda-feira, 15 de Dezembro de 2008

62- Os meus olhos já iam vendo esta terra de uma forma diferente

(continuação de 61- Deslocação a Henrique de Carvalho)

 

Estávamos em Julho de 1973. Os meus olhos já iam vendo esta terra de uma forma diferente, onde, até já se podia viajar sem problemas.

 

Esquecendo o colonialismo retrógrado de Salazar e os libertadores a soldo de grandes potências, americanos, russos, chineses e outros mais, Angola estava diferente e mostrava-se ao mundo, com uma nova geração de jovens e de quadros técnicos, era auto-suficiente em tudo, com razoáveis serviços de saúde pública e privada, indústrias, agricultura, pescas, minérios, petróleo e diamantes, enfim tudo o que uma grande nação poderia ambicionar.

Havia escolas desde o ensino básico e algumas universidades.

 

Nas últimas viagens que tinha feito, onde muitas viaturas circulavam sem problemas, reparei que nas cidades de Luanda, Nova Lisboa e Henrique de Carvalho, as repartições públicas estavam a funcionar com funcionários naturais de Angola que eram em bem maior número do que os brancos, e a existência de uma classe média e média alta de angolanos de todas as origens.

 

No interior de Angola, onde eu estava, as povoações mais afastadas cultivavam as lavras em paz, colhiam o suficiente para o seu sustento e ainda podiam trocar ou vender no comerciante mais próximo, adquirindo o que necessitavam … mas isto não queria dizer que estivéssemos no paraíso.

 

Na selva africana a felicidade não se encontra nos bens materiais, está dentro de cada um, é um sentimento, é o nosso ser que nos dá a consciência do que nós próprios somos. Aos poucos fui ganhando experiência na maneira de me relacionar com as populações. Aprendi pormenores importantes, quando se deve sorrir, que palavras e gestos usar e qual a atitude mais adequada para o momento.

 

Foi uma experiência única ter acompanhado o mistério de um ajuste de contas. Assassinaram um jovem por adultério, tinha a fama de se ter envolvido com outra mulher casada. Diziam que tinha usado a violência e obrigado a mulher à prática de sexo. Numa atitude de revolta as outras mulheres daquele casamento obrigaram-no a ingerir pó para as baratas e enterraram-no ainda vivo.
 

Terá sido assim? Não se sabe e não havia tribunais, mas pelo menos era assim que se contava o sucedido.


Naquela época a benevolência não era tida como bondade mas sim como fraqueza. Diziam que quem prevaricasse, tem que ser castigado, pois, de contrário, em vez de emendar-se reincidirá. Os maiores crimes eram: o desrespeito ao chefe, o assassínio, ofensas corporais e o feitiço.
Embora não tivessem um código escrito, havia a tradição oral e nenhum membro podia desrespeita-las sem que fosse punido.


Ultimamente, muitas questões eram já resolvidas pelas autoridades locais, o chefe de posto, com base em práticas jurídicas que tentavam harmonizar os usos e costumes locais com a legislação portuguesa. Mas, quase sempre, a maioria das muitas desavenças, eram apreciadas e resolvidas na aldeia sem que delas tivessem conhecimento as autoridades coloniais.


Diziam, os antepassados governam, as divindades ajudam, as magias completam e as superstições previnem. Nzambi (Deus) está no Céu, criou o mundo e os homens e entregou o seu governo aos espíritos, a quem cabe o maior papel.
 

(a seguir - Três crianças no quartel)

 

publicado por Alto Chicapa às 14:36

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