Sábado, 6 de Dezembro de 2008

56- Mudança no comando da Zona Militar Leste

(continuação de 55- Torneio de futebol)

 

A vida no quartel mantinha-se religiosamente igual, mês após mês. A região também continuava sem vestígios de movimentos hostis, no entanto uma mudança no comando da Z.M.L. (Zona Militar Leste) iria alterar o equilíbrio conseguido pela equipa do general Bettencourt Rodrigues.


Esta mudança, originou também uma visita ao nosso aquartelamento por altas patentes militares onde se incluía o senhor General Hipólito. Os preparativos foram levados ao extremo e de tal forma que até os soldados passaram a usar lençóis na cama, mas era só um, para, naquele dia, fazerem a cama à espanhola, e para o senhor General ver.

 


(fotografia cedida por Álvaro Marques) 

 

No dia do evento, reuniram-se na “parada” os militares presentes e outras entidades das quais não me recordo de nada.
De acordo com as normas, e depois de prestadas as honras militares, a patente mais alta em visita ao aquartelamento tomou a palavra e massacrou os nossos pobres ouvidos com banalidades, durante o que me pareceu uma eternidade.


Depois das cerimónias e já no momento do convívio informal perguntei a alguns soldados quais tinham sido as impressões.
Disseram-me:
- Falou, falou …
- Muita conversa …
- Chicalhada …
- Não percebi nada …
- Pelo menos vamos ter rancho melhorado!


A mudança no comando da Z.M.L. dá-se numa altura em que as tropas portuguesas estavam muito confiantes e descontraídas. Mesmo assim, a nossa actividade operacional não tinha abrandado embora todos nós soubéssemos que os grupos do M.P.L.A. e da F.N.L.A. estavam para lá da fronteira. Mas, as consequências não se fizeram esperar e as acções do IN começaram a aparecer, junto à fronteira, de formas ocasionais e curtas, mas muito traiçoeiras, violentas e com um elevado potencial de fogo.
Por exemplo, no itinerário Luvuei-Lutembo, montaram uma emboscada, causando 5 mortos e 32 feridos, com alguns muito graves, e a U.N.I.T.A. prevendo que a sua situação iria mudar, também tentou, embora sem êxito, ser reconhecida oficialmente pela ONU, no decurso da 22ª sessão do Comité de Libertação, em Mogadíscio.


O novo comando planeou para Janeiro de 1974 a operação Castor, com ataques violentos contra as bases da U.N.I.T.A. e a aniquilação da sua direcção.


Savimbi, com a ajuda de uma notícia saída no Jornal Expresso, teve conhecimento das intenções, perspectivou os possíveis cenários de guerra, e anunciou por escrito, em Setembro de 1973, a um amigo madeireiro da localidade de Cangumbe, situada a poucos quilómetros do Luso, o que se estava a passar e que iria pôr-se a mexer e rever o seu manual da guerrilha.


Entre Dezembro de 1973 e Janeiro de 1974, a U.N.I.T.A., sem aviso prévio, primeiro, ataca violentamente as tropas portuguesas, provocando muitas baixas, e de seguida as populações que lhe eram mais hostis, como por exemplo, a destruição da localidade de Sarieza no Bié e o corte de 36 cabeças, de homens, mulheres e crianças, na população de uma localidade que já não consigo precisar mas que ficava a cerca de 60 quilómetros do nosso aquartelamento.


Também havia duas flagelações programadas para o Alto Chicapa, sob a responsabilidade de um pequeno grupo de sete jovens, dividido em dois, que foram naturalmente “abortadas” por falta do objectivo principal, os militares no destacamento em António Cavula.
De madrugada, quando os atacantes se aperceberam do novo enquadramento militar na aldeia, desorganizaram-se, e por ausência de comando ficaram perdidos e sem iniciativa.
Dez horas fizeram a diferença e mudaram toda a estratégia de um ataque traiçoeiro pela madrugada e de uma emboscada criminosa, para uma vitória silenciosa, nossa, sem armas e sem heróis.


Ao P. (professor) e ao primo (monitor / enfermeiro), amigos sem cor, onde estiverem, bem hajam.
 

( a seguir - Mergulhos no rio)

 

publicado por Alto Chicapa às 14:28

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5 comentários:
De manuel lopes a 8 de Dezembro de 2008 às 05:42
Olá boa noite
Calhei a passar por aqui e lembrei-me da 1ª visita que o general Hipólito Raposo fez a Sacassange.
Eu estava na PM, no Luso, era furriel e calhou-me ter que fazer "escolta" ao dito.
Recordo-me, que, quando cortámos para o v/ aquartelamento, adiantei-me, para vos avisar que o General vinha a chegar (vocês não sabiam da visita).
Quem estava à porta de armas, era um soldado preto, que ficou surpreendido quando cheguei no jipe e não entendeu o que eu lhe queria dizer.
Disse-lhe para gritar às armas, que vinha o general, mas ele pensou, não sei o quê e não disse nada.
Tive de insistir diversas vezes e só quando viu o jipe do general a chegar, é que se apercebeu. Mas o grito "Ás armas", não saía e só eu, que estava ao pé dele é que o ouvia. Como eu imaginava, a rapaziada estava à vontade, e o oficial de dia e resto do pessoal que foi aparecendo, vinham em trajes impróprios para uma formatura de portas de armas.
Penso que o General não esperaria outra coisa e teve que aguardar que o pessoal formasse.Foi a 1ª e única vez que fui a Sacassange e achei graça ao episódio. É sempre bom recordar.
Penso que o v/ Capitão, usava um bigode à Charlot, não era? ainda falei com ele por causa duns problemas ocorridos com rapaziada da companhia.
Um abraço.
Manuel Lopes
De Alto Chicapa a 9 de Dezembro de 2008 às 14:53
Caro Manuel Lopes
Agradeço a sua amabilidade e o interesse posto neste documento.
Efectivamente, nós estivemos em Sacassange mas naquele momento da visita já estavamos no Alto Chicapa. A companhia a que se refere, era a que nos rendeu e provavelmente quem estaria de serviço ou a comanda-la era e é um amigo meu o Luis Madaleno.
Uma vez mais obrigado e os nossos melhores cumprimentos.
CAS
De Madelfo a 10 de Dezembro de 2008 às 18:57
Caro Carlos (CAS):
Não por acaso também não era eu, pois acho que não estive mais de 15 dias ou o máximo três semanas em Sacassange, na altura em que te fomos substituir, pois fomos logo recambiados para o Lungué Bungo. Mas vou passar aos camaradas da altura a ver quem esclarece esta questão, pois tenho uma vaga ideia que também ouvi essa história.

Um abraço

Luis Madalena

De Anónimo a 28 de Maio de 2015 às 15:43
Boa tarde. Aquando do ataque da UNITA a Sarieza, no dia 1 de Janeiro de 1974, estava eu no Luando (BiÉ ) e fui, nesse mesmo dia, destaca, com alguns elementos para Sarieza, onde estivemos uns dias.
Infelizmente a UNITA voltou a fazer estragos (graves9 na minha Companhia, no dia 6 de Maio de 1974, onde, numa emboscada, tivemos 6 companheiros mortos, e mais de uma dezena de feridos.
Um abraço,
Rui Bacelar (ex-Furriel da CART. 3540 - BART. 3881)
De Carlos Alberto Santos a 31 de Maio de 2015 às 22:55
Obrigado pelo comentário.
O nosso sítio na internet é aqui http://www.cc3485.no.sapo.pt

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